Esse texto nasce como um “antitexto”. Digo isso porque, assim que comecei a pensar sobre o que gostaria de escrever, o que estava nos “trending topics” das minhas ideias era a vontade de apontar todo arsenal crítico possível sobre assuntos que me deixaram perplexo – ou “perplecto”, pra fazer bom uso dos ensinamentos do grande “professor” Gil Brother – durante a semana. Quis falar sobre misoginia e machismo, sobre a estética evangélica do poder e suas performances de triunfo, sobre o modo como duas linhas de pensamento – que deveriam ser antagônicas – se misturam, fazendo nascer um híbrido de totalitarismo e narrativa religiosa, quis falar até sobre o novo “quinto beatle”- que seria alemão e que se opunha a tudo que os Beatles representavam no contexto da “indústria cultural”. Mas esse texto, esse que você lê agora – e eu agradeço a você por isso – é justamente o inverso de todas essas coisas. Por isso chamo isso de “antitexto”, porque escrevo sobre coisas que são opostas ao sentimento inicial de abrir o meu “canil” de emoções e soltar todos os meus “cachorros” escrevendo contra as coisas que me deixaram indignado. Agora sim, depois de toda essa introdução, posso ir adiante.
Em maio desse ano, eu e meus amigos de banda – Legrand – lançamos nosso primeiro disco, dois anos após lançarmos nosso primeiro ep. O processo de composição e produção do disco exigiu demais de todos nós, principalmente no que diz respeito à busca de referências. Passei meses imerso em sons, vozes, timbres, pesquisando novos artistas, lendo coisas novas, construindo uma narrativa para o disco. Disco lançado, objetivo alcançado, me vi em uma espécie de limbo musical. Absorvi tanta informação nova, que depois de usa-las, não sabia mais o que queria ouvir. Foi aí que mergulhei, sem querer, no mar de águas claras e quentes da nostalgia. Não sei o que consegue te causar essa sensação maravilhosa, que te enche os olhos d’água e te desliga da caótica realidade do agora, mas eu posso te falar com exatidão o que me dá esse “quentinho” no coração: punk rock! Isso mesmo, o bom e não tão velho punk rock do fim dos anos 90 até a metade da primeira década dos anos 2000.
Eu amava comprar discos e conhecer bandas novas. Comprava discos pela capa, sem conhecer qualquer informação sobre o artista. Assim eu conheci Sixpence None the Richer, do clássico “Kiss Me”, Kristal Meyers, Chevelle, Hillsong United. A lista seria imensa, mas quero falar sobre quando ouvi pela primeira vez MXPX. Aos 14 anos, eu e mais dois amigos idealizamos uma festa de temática futurista e com cara de festival eletrônico, que aconteceu na igreja da qual fazíamos parte, no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro.
“Zion” era o nome da festa – uma clara referência à última cidade humana no universo da trilogia Matrix. Era minha primeira apresentação com minha primeira banda, a Aerials – sim, por causa da canção homônima do System of a Down. Tínhamos três músicas apenas, éramos um power trio que tocava algo semelhante a um Rage Against the Machine gospel. Claro, das três outras bandas que se apresentaram, éramos os menos técnicos, mas nada que nos impedisse bater cabeça como se não houvesse amanhã. A festa invadiu a madrugada e estava sendo realmente um sucesso, até que o vizinho do prédio ao lado da igreja pareceu não concordar muito com o nosso conceito de sucesso – que envolvia um lugar cheio de adolescentes explodindo hormônios, empolgação e som alto, muito alto. A polícia chegou, a terceira e última banda da noite teve seu show interrompido e passamos o resto da noite assistindo clipes, deitados no chão da igreja e desfrutando de um misto de “prazer e agonia”. Os clipes estavam todos compilados em uma fita VHS – estou velho, eu sei – que trazia uma coletânea de vídeos dos artistas da gravador americana Tooth and Nail – gravadora sobre a qual ainda quero me dedicar a escrever. MXPX era uma das bandas. Três garotos tocando punk rock e andando de skate em cima de um prédio. Minha cabeça explodiu! Parecia ter encontrado “meu precioso”. Depois desse dia, minha meta de vida era clara: ter minha banda de punk, andar de skate, correr campeonatos ao redor do mundo, tocando minhas músicas e fazendo da música e do esporte meus ofícios. Junto deles vieram outras bandas: The Ataris, Millecolin, CPM22, Charlie Brown Jr., Dibob, Blink 182, Rufio, Blind Side, Yellowcard, Asian Kung-Fu Generation, Offspring, Green Day, Dogwood, The Offspring. Eu não sabia, mas eu estava construindo memórias que me trariam ao rosto, simultaneamente, lágrimas e sorrisos. Acho que toda essa história é sobre isso: construir memórias.
Quando completei 18 anos, formei minha banda de punk/hardcore, que depois passou se classificar como emo – que é outra paixão minha de adolescência. Toquei algumas poucas vezes com a La Rubia, mas o suficiente pra ter duas músicas na memória de uma meia dúzia de pessoas. Hoje, 18 anos após a festa inspirada em Matrix e 15 anos após a La Rubia, quando ouço MXPX, sou inundado por essa vontade de ir para a “Califórnia, viver a vida sobre as ondas,” riscando o asfalto à beira mar com meu skate e lotando shows a céu aberto em campeonatos de esportes radicais. Ouvir esses sons me enchem de vida outra vez. Dar play em canções como “Move to Bremerton”, que fala sobre a cidade natal da banda de Mike Herrera, Yuri Ruley e Tom Wisniesk, “Teenage Politics” ou “Tomorrow’s Another Day” é me encher de novo da sensação de que eu só precisava de uma guitarra, um microfone e um skate pra mudar qualquer coisa, qualquer situação, qualquer mundo. E como é bom me sentir assim.
Talvez você não ame punk rock e hardcore melódico. Pode ser que você nem conheça The Ataris ou MXPX. É bem possível que você também tenha nascido em uma época onde a adolescência se apresentaria mais tecnológica do que a minha, o que te distancia de experiências como comprar discos e ouvir álbuns inteiros. Mas, eu tenho certeza, que a sensação que descrevi também é familiar pra você.
Somos adultos o suficiente para reconhecermos que não temos mais tanta habilidade com o “carrinho” no pé, nem tempo suficiente para nos tornamos estrelas do rock mundialmente conhecidas. Mas ser adulto e consciente não nos rouba o sentimento de que ainda é possível uma vida menos cinza, menos gris e mais cheia de nuances de esperança. Não há desatino religioso, desarranjo político, desilusão, desespero, despreparo que possa nos roubar isso. As crianças cresceram, mas não necessariamente elas “aren’t alright” (não estão bem).
Ouça suas bandas, veja seus filmes, faça as coisas que te levem de novo a esse lugar em suas memórias, que te faz se encher de uma esperança quase pueril, de uma revolta adolescente, de uma certeza que “today didn’t have to be this way / Tomorrow’s another Day” (hoje não precisa ser desse jeito, amanhã é outro dia).
Toda memória é uma invenção sobre o passado, uma vez que, da distância que estamos dos eventos já vividos, contamos as coisas não apenas como lembramos, mas também como queremos lembrar, ainda que tenhamos como base da nossa narrativa o que realmente aconteceu. Sendo assim, vá, toque três acordes na guitarra faltando corda e plugada no volume máximo, dê uns gritos, pule na frente do espelho com a guitarra pendurada no corpo, arrisque um ollie no skate empoeirado, vibre com os álbuns, as músicas, os vídeos que te construíram, que te fizeram ser quem você é hoje.
Viver não precisa ser “The Saddest Song”, ela pode ser vibrante, pulsante e, de um modo juvenil, furiosa com um “Punk Rawk Show”!
Diego Neves é músico integrante da banda Legrand, designer gráfico, sociólogo em formação e aspirante a escritor.
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