Mais do que um olhar de contemplação sobre a botânica e a arquitetura brasileiras, nesta série, Pilar Rodriguez apresenta uma seleção de afetos cotidianos colhidos por sua perspectiva de pedestre em Recife e Olinda.
A arquitetura tropical invadida pela natureza é o motivo inexorável da pintura de Pilar Rodriguez, a medida que a artista explora essa temática, ela vai se confirmando e ganhando cada vez mais sentido. A busca é por uma pintura de processo que investiga camadas de cores, direções e outras tantas possibilidades pictóricas, tanto no Rio de Janeiro – cidade onde a artista morou até o ano de 2020, quanto no Recife, onde vive atualmente – a vegetação forte e viçosa convive com o urbano, transbordando pelas entradas dos edifícios, casarões antigos e mercados públicos e se relacionam com os elementos da arquitetura. É também o reconhecimento de uma paisagem temporal, que se dá de forma lenta através das rachaduras, morosa em suas invasões, manchada, úmida, fragmentada e residual.
Partindo de um olhar fotográfico, de atenção quase científica, Pilar observa e captura imagens nas ruas por onde passa, fazendo coletas e notas visuais dos seus interesses, e é a partir desse recorte empírico que ela recria em suas pinturas um rigoroso jardim imaginativo, onde a padronagem dos azulejos e as texturas das paredes convivem com plantas, frutos e folhagens que se transformam em motivos pictóricos. Assim, cajus, jambos, frutas-pão, jasmins, cajás se entrelaçam e se confundem entre os ornamentos de azulejos, cobogós, lajotas, cerâmicas e ladrilhos. Em momentos, as frutas com suas formas orgânicas e sinuosas, são enquadradas pelas formas exatas dos azulejos, ao mesmo tempo em que azulejos se permitem desestruturar pelas frutas e folhas, rompendo com a rigidez formal.
A tradição da azulejaria é menos uma narrativa, e mais uma protagonista formal. É um locus de fusão lúdica entre a arquitetura e a botânica – tema recorrente na obra da artista. Esse jogo visual lança uma provocação: as plantas ali representadas fazem parte dos padrões dos azulejos ou da própria natureza? Os azulejos tem motivos florais ou as plantas são geometrizadas? Esse diálogo visual tem ainda o recurso de colagens que, inevitavelmente, forçam um direcionamento para o território bidimensional, zona estrutural dos azulejos, confrontando formalmente botânica e azulejaria. Os suportes quadrados ecoam a modularidade inerente dos azulejos, convidando a mudanças de sentido e direção em encaixes formais inesperados, às vezes em combinações de duas, três, quatro ou até nove telas, recurso que rompe com um certo padrão linear, e recusa uma narrativa única, produzindo uma abertura para novos prismas, novas visadas que refrescam e renovam a experiência do observador. As cores também são influenciadas pelos eixos temáticos – de um lado, as cores locais da natureza – de outro, as cores industrializadas dos azulejos. A paleta já não é mais pura, surgem infinidades de meios tons, uma complexidade maior nos azuis, vermelhos e amarelos,os verdes ganham sutileza e dialogam com cinzas e tons terrosos, desse modo, Pilar confronta cores e formas questionando até que ponto seu trabalho pode – e deve – transitar entre o abstrato e o figurativo.
Tintas densas e magras. Gestos de velocidade ou lentidão. Mesclas cromáticas na própria tela; puxadas de pincel seco com sobreposições de escorridos; tinta espessa por baixo, tinta aguada por cima: para a artista, a pintura é o complexo jogo de “push and pull” onde as possibilidades são infinitas.
Pilar Rodriguez, artista visual. Nasceu em 1977 na Bahia, morou no Rio de Janeiro e recentemente es mudou para Recife. Começou a pintar em 2012 e aos poucos foi migrando da profissão de publicitária para pintora. A partir de 2016 começou a se aprofundar na pintura, e desde então tem aulas de acompanhamento de pintura contemporânea com Claudia Monteiro. No Parque Lage fez cursos de desenho e de pintura com Daniel Lannes e Rafael Alonso. Em 2018 realizou minha primeira exposição individual “Selváticas” na Fábrica Bhering.
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