Sonho de Inverno

Em um daqueles sonhos de inverno, sonhei que tinha acabado de morrer. Acordei em meio a uma cerimônia dedicada às novas almas, aquelas que acabaram de passar pela outra dimensão, por assim dizer. Dois homens vieram em minha direção. Ambos estavam vestidos de branco e pareciam serenos, mas apenas um deles carregava uma prancheta e continuou falando com outras pessoas enquanto se dirigiam para onde eu estava. O que carregava a prancheta tinha um físico esguio e juro que conforme eles se aproximavam, fiquei nervoso e uma brisa fria atingiu minha nuca. Ele parou bem na minha frente e ficou olhando para o meu rosto, verificando o quadro, quase como se estivesse se certificando de que eu era a pessoa certa.

– Senhor, você já verificou se vai precisar de preparação? – ele disse.

– Perdão… preparação? – Respondi. 

Eles se entreolharam confusos com minha dúvida. Quase tão confuso quanto eu estava no momento,

– Sim, senhor. Algumas pessoas na chegada ainda não aceitaram sua morte – disse o outro sujeito. Seu rosto rechonchudo me lembrou de um amigo que eu tinha, mas seu sotaque era tão novo quanto qualquer uma das coisas que aconteciam naquele momento. Olhei em volta e vi o que parecia ser um grupo de pessoas passeando pelo Louvre. Mulheres e homens de todas as idades e raças, mas não havia crianças. Acho que os mais pequenos foram para um lugar diferente.  Quando virei meu rosto de volta para eles e prendi a respiração, uma pergunta saiu da minha boca antes que eu pudesse formular uma melhor.

– E o que acontece com quem ainda não aceitou?”. 

Eles se entreolharam mais uma vez. 

-Bem, nós os enviamos para preparação. Pense nisso como uma terapia em seu mundo, mas aqui é muito mais rápido – respondeu o homem alto. – O tempo não existe aqui. 

Mais uma vez, me vi olhando em volta. Me perguntando o que isso significava exatamente e tentando entender o que isso significava para mim. Mesmo que o tempo não fosse um problema, o que para mim pareceram segundos, para eles deve ter parecido uma eternidade. Meu olhar terminou quando o rapaz gordinho estalou os dedos bem na minha cara.

-Senhor, você precisa de preparação? 

Lembrei-me de todos os contos antigos que li na vida. Heróis enfrentando desafios de cabeça, fazendo o que tinha que ser feito.

-Bem, quando chegar a minha hora enfrentarei a morte com bravura. Preparação não será necessária -eu disse em um tom orgulhoso- Mais uma vez eles se entreolharam. Pela expressão em seus rostos, minha expressão corporal deve ter sido incrivelmente ridícula. E eu posso estar errado, mas eu tinha certeza de que eles estavam aliviados.

– Deus, imagine fazer terapia depois do fim- disse eu. -Já odeio ir agora. Devo acordar logo ou vou perder a sessão de hoje mais uma vez, estou fugindo há semanas – continuei, tentando deixar seus rostos mais descontraídos. 

De repente, suas expressões mudaram. O homem esguio sussurrou algo para o rosto rechonchudo e começou a escrever algo na prancheta

-Você está indo para a sala de preparação, senhor. Siga-me, por favor.”. 

Inferno! Parece que vou continuar perdendo minhas sessões de terapia. Malditos sonhos de inverno.

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