Em um país de não-leitores, onde temos em abundância mais exemplos de “Jair” do que de “Machados”; onde as esferas de governo (que deveriam cuidar da Educação) entendem que à escola basta a tarefa de ensinar a fazer contas e juntar letras; onde a Diacronia da Língua Falada foi transformada em régia decapitação de fonemas e grafemas, tornando a leitura em Redes Sociais quase um ato de decifração icônica; onde grande parte das crianças não conheceu o salutar hábito de ler quadrinhos, ou sequer conhecê-los (nem tampouco de ir aos “Sebos” trocar o “Almanacão” da Disney pelos exemplares do Recruta Zero e da Turma da Mônica), realmente conhecer um João Cata-Letras pode parecer algo muito incomum, e é sobre ele que passo agora a falar.
7: 00 – o despertador toca anunciando a chegada de um novo dia.
7:20 – já lavado e composto, enquanto aguarda o café, saboreia o perfume do pó preto, como se “Madeleinnes” o fosse, levando-o de volta aos tempos de criança na roça.
7:25 – Entre um gole e outro, sorve mais um verso de um “Fazedor de Amanhecer”.
7:45 – Enquanto aguarda a chegada do coletivo no ponto, vislumbra a mulher “Frígida” que passa, arrebatando-lhe os sentidos. Hora de embarcar.
10:00 – Pausa para o café na Repartição. Entre uma piada e outra, transmite a uma colega um “Recado aos amigos distantes”. Fim do intervalo.
12:30 – Parada para o almoço. Com a praticidade de um Fast Food, recolhe-se a um “Canto” da sala para saber como foi a “Chegada de Aquiles aos Portões de Tróia”. Fim do desjejum.
16:00 – Pausa para o café. Enquanto a turma discute a desfaçatez da Política Brasileira, João se diverte “Com Licença Poética” com as “Sete Faces do Poema”.
18:30 – Fim do expediente. “Vou-me embora pra Pasárgada”, lá sou amigo do Rei, é só que no pensa enquanto no balançar do coletivo, folheia as páginas de um livro.
19:30 – Cuidar das tarefas comezinhas da casa: alimentar o gato, lavar a louça, varrer a casa, banhar-se e ceiar.
21:00 – Melhor hora dia – relaxar na poltrona, enquanto deixa-se inebriar pelo perfume das “Flores do Mal”.
00:00 – Os ponteiros do relógio apontam para o infinito. Tempo de fechar o livro, apagar a luz e recolher-se para recomeçar toda a jornada no dia que não tarda a nascer.
A rotina de João Cata-Letras repete-se de segunda às sextas-feiras. Aos sábados e domingos, no melhor estilo Pandemia, é hora de “Maratonar”, mas não as séries da NetFlix, e sim os grandes prosadores. Para o próximo sábado os Latinos, começando com um “Ensaio sobre a Cegueira” e os contos fantásticos de um “Aleph”. Para o domingo o cardápio é um “Finnegans Wake”, embalado pelo melhor da música céltica e, à tarde, “Estórias Abensonhadas” no clima das Savanas Africanas. À noite, hora de cumprir o compromisso com a Santa Sé, acompanhando a missa na Matriz.
Em tempo, João Cata-Letras nasceu João da Silva, filho de pais lavradores, criado na roça, educado em escola pública de interior. Devido às dificuldades com as palavras, o apelido João Cata-Letras nasceu ainda no ensino primário, e acabou virando sobrenome. Já na fase adulta, preparando-se para um Concurso Público muito concorrido, as dificuldades com o letramento oriundas da formação primária, viraram um problema e, acompanhando as orientações de seu Professor, começou a ler para melhorar a leitura e a escrita. Quando perguntado pelos colegas o porquê da avidez na leitura dos livros, ele rapidamente responde:
– Tudo é uma questão de empenho, engajamento e esforço. Mas não pense que esse foi um caso de “amor à primeira vista”, ao contrário. Nos primeiros livros era um tormento, quase um sacrifício, mas com o passar do tempo, e com o treinamento dos olhos, o sacrifício virou hábito, o hábito virou prazer e o prazer virou vício, tal qual os praticantes de atividades físicas que, graças à Endorfina, levam seu corpo aos limites da extenuação, no meu caso, uma “Endorfina Literária”.
Segundo dados da 5ª edicão da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” (Instituto Pró-Livro/Itaú Cultural/Ibope Inteligência), publicada em Setembro de 2020, o Brasil perdeu mais de 4 milhões de leitores nos últimos 4 anos, e os números encontrados não são nada animadores. Entre 2015 e 2019 (quando foi feito o último censo) a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52%. Já o número de não-leitores aumentou nos últimos cinco anos para 48%, o que equivale a quase 100 milhões de brasileiros.
O dado mais impressionante desse levantamento é que, ao contrário do que se imaginava, as maiores quedas foram registradas entres os mais letrados, com nível superior, passando de 82% em 2015 para 68% em 2019, e na classe A de 76% para 67%. Isso seria um resultado da Pandemia, ou a culpa (como dizem alguns ditos especialistas) seria das Redes Sociais?
O fato é que, os melhores resultados identificados na pesquisa foram encontrados na leitura dos pequenos (faixa de 5 a 10 anos) passando de 67% em 2015 para 71% em 2019, o que demonstra que o caminho para a formação de leitores está no incentivo da prática, e hábito da leitura na primeira infância (e não apenas no ato de juntar letras, como muitos ainda defendem).
Por isso, e reiterando a história de nosso fictício ledor João Cata-Letras, que certamente é a história de vida de muitos outros brasileiros, motivos para não ler sempre irão existir em maior número do que as motivações para folhear um livro ou impresso – seja em tempos de exceção como o que se vive hoje, ou de normalidade. A questão é descobrir em cada subjetividade a real motivação para se tornar um leitor habitual, e não eventual e, neste caso, para além de questões profissionais, haverá que se ter, tal como no início da prática de atividades físicas por recomendações médicas 90% de coragem, empenho e esforço, e os 10% restantes para outras razões menos importantes.
Sérgio Soares
Homem de Letras e Escrevinhador que desenha as palavras, assim me defino. Através da escrita me reencontro, me descubro e reinvento. É através das minhas personagens, e do mundo ficcional que criei, chamado Prosperidade, que faço a catarse de todos os meus dramas, dilemas e regozijos. Enquanto Professor não poderia deixar de ter como tema a Educação, em especial a Básica Pública, mas enquanto Homem da Pólis também discuto Política e Conjuntura, entendendo ser esse o papel social de um formador de opinião.
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