Censura: Cultura Sob Ataque

Bem, é tão surreal imaginar que hoje, neste exato momento, existem mecanismos institucionais sendo criados pelo governo atual para censurar manifestações artísticas e culturais no Brasil que esquecemos que, em vários momentos ao longo da história, o Estado Brasileiro se organizou  para estender um de seus braços articulados para dizer o que um jornalista pode ou não publicar, ou até mesmo o que um artista pode ou não propor como arte. Por esse motivo, este é um texto difícil de ser feito, no entanto muito importante e necessário.

Pra ser sincero, a verdade é que isso não deveria nos impressionar. A globalização e os avanços conquistados por diversos movimentos sociais, bem como as novas possibilidades tecnológicas de interagirmos uns com os outros, nos mal acostumou a encarar a vida de forma cosmopolita e com uma falsa ideia de liberdade. Pensando nos dias atuais, ademais das manifestações mais antigas da censura, cabe destacar outros momentos onde ela emergiu de maneira escancarada e violenta na história para entendermos a situação atual.

Em 1559, em reação ao avanço do Protestantismo, o Santo ofício passou a administrar a criação de uma lista de publicações que, segundo a Igreja Católica, se opunham à doutrina pregada pela Igreja. Assim, sob o pretexto de proteger os fiéis da corrupção e preservar os bons costumes, foi criado o Índex Prohibitorium.

Index prohibitorium, 1559.

Escolhi falar da censura a partir do Index devido à proximidade de sua lógica de implementação com a realidade de um país como o nosso, cujas noções de ética e moral foram erigidas, entre outras influências, principalmente pelas definições dogmáticas judaico cristãs. Aliás, essa matriz ideológica, ocupa lugar central no Brasil desde sua fundação, e ocasionou, de maneira desigual, uma espécie de deformação no tecido social brasileiro, onde uma tendência conservadora nos costumes – que, cá entre nós, muitas vezes se sustenta apenas na aparência das relações pessoais – se consolidou nas entrelinhas das relações sociais.

Entre especulações e disputas ideológicas, o fato é que a coroa portuguesa possuía a famigerada lista de livros. E eles não poderiam circular nem nas alcovas do seu território originário, nem mesmo em suas colônias. Além disso, Catequistas jesuítas atuavam com liberdade como censores na então Terra de Vera Cruz, proibindo que indígenas brasileiros mantivessem grande parte de seus hábitos.

Vitor Meirelles: Primeira Missa no Brasil, 1861.

Já o negro traficado para o Brasil, dispensa explicações. Subtraído de sua terra ancestral com requintes de crueldade, sua existência era negada enquanto ser humano. Ao negro foi censurada a possibilidade de se exercer a vida em sua plenitude, condicionando-o à mero utensílio em um sistema onde sua força de trabalho era o motor da lógica econômica agrícola nas Américas.

Jacques Etienne Arago – Castigo de Escravos, 1839.

Entre tantas outras maneiras de se exercer a censura no Brasil Colônia e na República Velha, foi no Estado Novo, em 1939, que o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi criado para se encarregar da censura e da propaganda oficial do governo. Claro. Como poderiam estar separadas? Sua estrutura e suas práticas foram criadas e seguidas à risca nos moldes estabelecidos por Paul Joseph Goebbel, ministro da Propaganda na Alemanha Nazista de 1933 a 1945, que, por acaso, era mentor de Filinto Müller,  chefe de polícia no Distrito Federal, que sustentava robusta fama de torturador.

Cartaz Departamento de Imprensa e Propaganda

E foi justamente o remanescente DIP que atingiu o seu esplendor de atividades após o golpe militar de 1964, chegando ao auge de suas atividades a partir da promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5).Graças à ele, todo veiculo de comunicação deveria submeter suas pautas, artigos e notícias à análise prévia de censores, assim como artista, músicos, atores, diretores de teatro e demais trabalhadores da cultura. Tudo aquilo que atentasse à moral, aos bons costumes e ofendesse a família nuclear moderna, era passível de censura e punição. Em casos onde haviam suspeitas de tentativa de eclosão de uma revolução comunista bolivariana à brasileira, a tortura era ferramenta indispensável para garantir a ordem e estabilidade nacional. Assim, militares do DOPS e DOI-CODI, se encarregavam de invadir ensaios de grupos de teatros, espetáculos, shows, e até mesmo a casa de alguns artistas considerados suspeitos. Revolucionários.

Protestos contra a Censura, Reprodução

Após a redemocratização, depois de intensa luta de movimentos sociais, além da influência de grandes movimentos culturais que ocorreram ao redor do globo, (vale lembrar que a terra não é plana), nossa geração ocidental se acostumou com um planeta apaziguado pela criação de sanções internacionais ante a violação de direitos humanos básicos, e as características ideológicas que habitam as galerias subterrâneas do esgoto da sociedade, alimentaram a chama da ascensão de novos regimes opressores na escuridão da ignorância, passando despercebidas no cotidiano velado do brasileiro comum.

Essa semana, vimos multiplicarem-se as notícias de proibição de eventos culturais, performances artísticas e financiamentos públicos que fomentam uma produção cultural plural, inclusiva, democrática e acessível. Diante de tantas manobras entre as brechas dos textos da lei, o medo se multiplica na classe artística. A retórica de preservação da moral e dos bons costumes, da suposta resistência aos ataque que a família nuclear tradicional vem sofrendo e o patrimonialismo disfarçado de falso nacionalismo, já está colocada no campo de disputas, em posição privilegiada.

Entretanto, é do medo que se extrai a coragem necessária para encontrar as oportunidades de mostrar ao mundo que a nossa voz não pode ser calada, e as cores da luta daqueles que desafiaram a repressão em prol da liberdade no passado, ainda estão estampadas no pele daqueles que enxergam na cultura uma maneira de transcender a própria existência.


Frederico Lopes é Artista e gostaria de ser Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.


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