Que um lampejo te guie em oposição ao horror 

Quase todo dia me trazia uma sobremesa, um pensamento colhido em casa, embrulhado em papel alumínio. Nos acessos de um prédio comercial, onde demos o primeiro beijo, dividíamos também as nossas marmitas. 

Nos bares mais xexelentos do Centro da Cidade, entre um samba e outro, se queixava do maçarico e do trabalho equivocado do rapa. Estendíamos a noite até o horário do último ônibus. Sempre de mãos dadas. Éramos o namorado um do outro. 

Vivemos juntos nossa melhor época. Os primórdios incansáveis dos vinte anos. Peito estufado e vibrante de coragem. Ele era o cara mais foda e bonito dos bailes do Santo Amaro a Vila Vintém. A gente gostava de ficar se olhando. Quantas vezes passamos o dia, como quem não quer nada, olhando para a cara um do outro, aproveitando a folga e se gostando mais. 

Hoje talvez tenha sido nosso último encontro. Mas a gente sequer chorou. Desde o primeiro dia sabíamos que teríamos um fim. Que a gente teria que correr atrás dos sonhos mais distantes. Enfrentar os bichos de sete cabeças. Quem algum dia já foi derrotado sabe que não há como fugir da lógica da sobrevivência. Nos preparamos juntos para o gran finale. E fizemos o que foi possível para que tudo o que viesse antes fosse extraordinário e cada dia foi uma festa. A gente se abraçava torcendo um para o outro. Não economizamos confiança nem ajuda nem palavra nem amor. Com ele, segurei a onda de ser uma pessoa melhor em um meio que só fode a nossa cabeça. No nome dele, rezei uma Ave Maria por dia, contra tudo o que é maldade. Hoje fechamos com chave de ouro. Estamos preparados para que o universo nos engula. Deixamos as juras, escorregadias de tesão, trancadas em nosso alegórico e costumeiro quarto de motel. Caso algo dê errado, ainda que um pouco perdidos e destroçados, nós teremos um ao outro. No futuro, caso nosso templo não vire ruína, retornaremos peregrinos. 

A partir de amanhã, seguiremos o caminho impreciso da mudança. Falarei dele com deleite em cada vírgula, na conquista de cada sonho que ele sonhou comigo. Se a memória é também um lugar de refúgio, então tenho Carlos junto a mim. 


Kaio Phelipe é de Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro. Estuda ciências políticas e é autor dos livros de poesias e prosa poética Hábitos e Educações (editora Urutau), Não existe pecado no lugar de onde eu vim (editora O Sexo da Palavra), Para o homem descansando ao meu lado (editora Nua), Como cuidar de um girassol (editora Patuá) e, em breve, estará lançando Todos nós sonhamos em ser Carmen Miranda, junto com a editora Impressões de Minas, onde este texto poderá ser encontrada junto a outros contos.

Instagram: @kaionasredes


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