Inesperadamente, a tempestade abatera-se naquele lugarejo perdido e cravado na encosta granítica da montanha. O ribombar dos trovões e o céu iluminado e cruzado pelas faíscas atemorizavam os poucos habitantes que ainda teimavam em ficar, e que persistiam no cultivo de uma esterilidade de parca subsistência. Os mais novos havia muito que tinham partido, numa procura inquieta de futuro, deixando vagas as casas de paredes fendidas e perdidas, entregues ao abandono das memórias.
A chuva caía copiosamente formando pequenas torrentes que serpenteavam, sem obstáculos, no polido empedrado. Nada havia para arrastar. Até o único arruamento digno desse nome era estéril: nem a erva aí crescia. Os pequenos seixos que de vez em quando se despenhavam e rolavam pela encosta eram prontamente recolhidos e aproveitados pelo único habitante que, daquele lado do casario, possuía luz eléctrica, proveniente de um velho e desgastado gerador, mas que ainda não fora usado.
O vizinho recém-chegado a este fim de mundo era alvo da curiosidade das pessoas: tinha uma estranha predilecção por pedras, um jipe ruidoso, deambulava pela aldeia e arredores; pouco falava.
Ou seriam os outros habitantes que, receosos, evitavam o contacto directo? Pouco se sabia dele, era um ser estranho, calado. Sisudo, mas cooperante e solidário com os vizinhos quando solicitavam apoio e colaboração.
Na tempestuosa escuridão, as janelas da casa que habitava eram as únicas onde uma luz pálida e amarelada vinda do candeeiro a petróleo tornava visível a sombra do seu hóspede cada vez que se movimentava. Na porta do alpendre fora suspenso um espanta-espíritos feito com alguns dos pequenos seixos tratados e pintados com tintas muito coloridas. Na pauta dos dias, a brisa tocava nele notas melodiosas e suaves; o vento mais forte, arisco, arriscava marchas; na turbulência dessa noite, o que se ouvia era indescritível e violento. Silvos. Embates. Assustadores. No exterior e no interior. O corpo em desalento, a alma em conjuras com os fantasmas.
Houve um longínquo dia de Verão em que apareceu no cimo do monte, à espreita. O Julião, que regava um canteiro raquítico de alfaces a parecer coisa nenhuma, percebeu o vulto e ficou vigilante: não costumavam ter chegadas, apenas partidas.
Primeiro capítulo do romance “Até ao dia dos girassóis”, uma edição Minimalista
Cristina Vicente (Estarreja, Portugal) colabora como fotógrafa e escritora no projecto Fotografar Palavras (Dezembro 2018). Tem um blogue pessoal, Do pó dos dias infindáveis (Abril 2020).
Enquanto fotógrafa, participou e participa em diversas exposições individuais/colectivas, festivais de arte e livros temáticos.
Publicações:
Cidades Vazias com gente dentro, uma edição colectiva de fotografia e textos dedicados ao período da pandemia (Maio 2020); O refúgio, conto publicado na colectânea Antologia Minimalista, (Novembro 2020) da Editora Minimalista; O tempo é feito de raízes (Setembro 2021), edição de autor dedicada à fotografia e à poesia; Conversas de morte, conto publicado na colectânea Contos Minimalistas (Novembro 2021), da Editora Minimalista; Normalidade aos passos, texto publicado na colectânea Contágios – Contos & Crónicas/Colectivo Mapas do Confinamento (Março 2022), da Editora Visgarolho; poemas na Colectânea de Poesia Lusófona em Paris (Setembro 2023), da Portugal MAG Editora; o primeiro romance, Até ao dia dos girassóis (Dezembro 2022), foi publicado na Minimalista, editora que integra desde a fundação; Cores de melancolia (Setembro e Novembro 2023), um caderno de fotografia, com textos de Paulo Kellerman e chancela do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes; Olhares na ponta da mão (Dezembro 2023), edição de autor, em co-autoria com Elsa Arrais, dedicada à fotografia e ao texto poético; antologia poética São Cravos – 50 anos de Abril, 100 Poemas (Abril 2024), da editora Labirinto; Dias caídos em liberdade, texto publicado na antologia Liberdade Minimalista (Junho 2024) da Editora Minimalista.
Participação na 11.ª edição da revista Mapas do Confinamento com o texto Normalidade aos passos e diversas fotografias; na revista de e Estudos Regionais de Fátima, AL Khátima (2022); na revista digital Trama Bodoque (Setembro 2023); no projecto Alfabeto Global, do Jornal de Leiria (Novembro 2023) e no projecto Ofélia em Poesia (Junho 2024) que resultará em publicação (revista).
Redes sociais/Instagram
@_cristinavicente_
cristinavicente2020@gmail.com
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