Domingo. 12 de dezembro. Celebramos hoje a oitava missa sem você.
Ouço ao fundo Padre Ricardo falando, mas tudo está tão distante. Zumbidos. Parece que essa capela está menor esse ano. Me sinto sufocada, olho para o lado e não te vejo. Mais um ano que ouço falarem de você, mas você não está aqui. Ainda é tão difícil aceitar a tua partida, porque, para mim, não existe Maria sem Maria.
Lembro que em uma das nossas últimas conversas falamos sobre a morte, sobre o morrer, sobre o nosso amor, sobre as nossas doces lembranças do sítio, sobre os nossos medos e as nossas fantasias. E desde então, a cada vez que nos encontrávamos, a cada vez que nos falávamos ao telefone, acabávamos, nos despedíamos sabendo que talvez aquela seria a última vez.
E teve um dia que foi.
Hoje sentadinha no teu banco favorito da capela, me peguei pensando que aprendi que não é preciso ter uma desculpa para se fazer um bolo de rolo. Com ou sem visita, com ou sem aniversário. Bolo de rolo feito em casa, não tem igual, esquenta o coração e a casa inteira. Contigo, Maria, eu aprendi que cozinhar é uma forma de expressar amor, criatividade e resiliência. Cozinhar uma comidinha gostosa com aquilo que se tem, para todo mundo e mais um pouco, é uma arte que se desenvolve com o tempo, e é o resultado de muitos anos de prática, não só com as receitas e os ingredientes, mas uma prática de amor em cada gesto, que será saboreado em cada mordida. Aí que saudade das nossas tardes na cozinha juntas. Com você, aprendi a tricotar, a ser curiosa para sempre continuar a aprender, a observar a vida além da superfície. Aprendi a partilhar o pão. Sei que as plantas e as flores têm sentimentos e que precisam ser regadas, ouvidas e acalentadas. E tantas, tantas outras mil coisas que carrego comigo até hoje, que fazem parte da pessoa que sou.
Enquanto lá longe Padre Ricardo continua falando sobre o amor e o cuidado que você depositou em cada pessoa dessa família, me lembro também que de todas essas lições de vida que eu aprendi contigo, a que eu carrego com mais estima no meu coração e no meu dia a dia, é a de nunca economizar afeto. Você sempre transbordou amor, carinho, aconchego, mesmo em momentos difíceis, em situações desafiadoras, você escolhia e oferecia o afeto, e isso eu vou carregar comigo para sempre.
E deixa eu te contar uma coisinha, voinha. Ano passado nesse mesmo lugarzinho que estou hoje, eu te fiz um pedido, a senhora lembra, não lembra? E eu queria te dizer que agora está tudo certo. Está tudo ó, saradinho. Ouviu esse barulho? É do meu peito inteiro. Inteirinho. Que pela primeira em anos está sendo regado do jeitinho que a senhora desejava que fosse.
Eu aprendi tudo, viu só?
Deixa eu te falar também que no teu aniversário desse ano, e eu fiz um bolinho pra, como você dizia, não deixar passar em branco. E eu sei que você fez festa aí em cima. O bolo que te fiz era de rolo. Com tua receita e nosso segredo. Hoje, onde quer que você esteja, espero que você esteja celebrando o a vida ao lado de tio Adriano, do vovô Miguel, do Thiago e da Dona Laura. Onde quer que você esteja, hoje, espero que você esteja celebrando a tua vida junto com as tuas queridas irmãs, Aurea, Emília e Luiza, com o teu pai e a tua mãe, que apesar de nunca os ter conhecido, sei o quanto eles também transbordavam amor.
Eu vou parecer muito egoísta dizendo que estou com uma saudade desvairada de ti? Eu sei que com o tempo a dor se acalma, mas sei também que a saudade nunca passa. E aí que saudade de ouvir a tua voz, que saudade de sentir a tua mão no meu rosto, que saudade de te dar aquele beijo, seguido de abraço, que continua com o cafuné, e eu deitada no teu colo. Que saudade das nossas conversas. Que saudade de ouvir você cantando músicas que eu só ouvi você cantar. Acho que essa saudade infinita é um sinal de que tudo que vivemos foi importante para mim (e sempre vai ser). E de que nós amamos plenamente. Quantas lembranças boas que vou carregar sempre comigo. Das caminhadas nos assentamentos, dos preparativos para o pic-nic no seu jardim verde e imenso, dos momentos de risadas infinitas jogando carta e brincando pelo mundo. Que sorte a minha de ter tido você como a minha avó, Maria.
A missa rezada em tua intenção terminou e eu ainda não estou pronta para me despedir de você. E nem sei se um dia eu vou estar, porque como eu disse antes, não existe Maria sem Maria.
Deixa-me te confessar uma coisinha antes de levantar e ir embora pra casa — ontem à noite fiquei pensando em você antes de dormir, porque falam por aí que se você pensar profundamente em algo antes de ir para cama, você acaba sonhando com aquele pensamento. Infelizmente nada aconteceu, dormi, acordei e não lembro de nada. Maldito universo.
Hoje, depois de muito tempo, te escrevi o que queria, escrevi chorando, na tentativa fracassada de torná-la eterna novamente. Mas, hoje à noite, Maria, eu vou novamente me concentrar em ti, na tentativa de ir contra a minha mente e o universo.
O fim da novela.
O recado paroquial do fim da missa.
A última frase antes do boa noite.
Continue olhando por mim, viu?
Bença, voinha.
Izabelly Lopes (27), nascida e criada em Recife (essa com certeza é a melhor coisa sobre mim), é jornalista – por pura influência da Revista Capricho e dos blogs de moda do ano de 2006. Gosta de corrida, cuscuz com manteiga e ler romances adolescentes nas horas vagas. Quando ninguém está olhando gosta de compartilhar as pequenas coisas da vida.
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