Carniceiros

Na escuridão,  

A espera, a espera… 

Uma cadeira velha,  

Uma janela quebrada. 

Casa, que não é lar, 

Tão pouco, morada… 

Uma cidade presa,  

Na calada, da noite. 

Gritos se escondem,  

Em becos escuros, 

Batizados pelo mijo,  

Sangue de bêbado. 

Corpos protegidos,  

Pela fé, pela sorte, 

Por paredes erguidas pelo medo. 

Suor, lagrimas ou acaso? 

Realidades maleáveis…  

Sonhos manipuláveis… 

Jornais que batem à porta, 

Trazendo números, 

Mais um morto, mais um morto. 

Carniceiros se amontoam,  

Sobre manchetes que escondem o chão. 

Tudo serve de espetáculo, para chamar atenção. 

A alma podre é um prato cheio, 

Para aqueles que vivem… 

De desilusões. 

Em cidades de concreto e asfalto, 

O sangue rega o pouco da terra, 

Em forma de perdão. 

Um desconhecido. 

Um amigo. 

Um irmão. 

Carniceiros veem pequenos presentes 

Como oferendas a um rei morto, 

Manipulação. 

O cheiro já não incomoda, 

Ter um Deus pouco importa, 

Faces perdidas pelas ruas, 

Aflição. 

Tempo que escorrega pelas sarjetas, 

Levando a dignidade… 

Dilacerando o pouco de humanidade, 

Ombros que carregam o mundo, 

Sucumbem ao umbigo. 

Estar vivo, estar morto, 

Já não importa mais. 

O ar já não é fresco, 

A água tem um gosto insuportável 

Da verdade. 

E o que mais cresce, 

Em meio ao silencio, 

São os campos da morte. 

Chora a criança, 

Desespera-se o jovem… 

Lamenta o adulto. 

O miserável apenas sobrevive, 

As favelas apenas sobrevivem, 

Bairros nobres são como prisões, 

Vigiadas, assistidas e impossíveis de chegar, 

Que resistem em meio à realidade assistida. 

O mundo não para… 

O universo não para… 

Não é tua a verdade, 

Não é minha a mentira. 

Há muitas coisas não ditas, 

Existem muitas palavras distorcidas, 

Que não se explicam. 

É a chuva que afoga, 

O sol que castiga, 

Culpa da vida que não tem dono. 

Culpa da dignidade que tem preço. 

O sexo não dá prazer… 

O coito não dá gozo… 

A boca não seduz… 

São apenas feridas, 

Desejos da carne,  

Que já não se satisfaz. 

Rotina, rotina, rotina. 

Nada surpreende, 

A vida é banal. 

A morte é casual. 

O que importa é o clique, 

A audiência que gera a cifra, 

Ceifadores da discórdia. 

Mesmo que seja necessário, 

Culpar, sem se desculpar. 

O que importa da história 

É o começo e o fim… 

O meio se justifica, 

Como propaganda, 

Como desculpa, 

Números na conta. 

O cheiro do esgoto… 

O cheiro da merda… 

O cheiro das ruas… 

Tantas realidades, 

Que se misturam. 

Animal, animal, animal… 

Em meio ao ato civilizatório  

Somos todos irracionais. 

Primatas que acham que o cheiro,  

Dó próprio cú é perfume, 

Que o arroto é música, 

E que o pinto e a buceta, 

São do tamanho do nosso ego. 

Orgulho que nos manipula. 

Fé que nos cega. 

Vaidade que nos corrompe. 

Somos todos escravos, 

De diferentes verdades. 

Somos todos prisioneiros, 

De nossas próprias ironias. 

Somos todos mortos vivos, 

Carniceiros, apodrecendo, escondidos, 

Na escuridão… 

A espera, a espera. 


Pablo Danielli Reza a lenda que quando nasceu, nos pampas chovia muito e uma trovejada em forma de versos, assustou o tal de doutor e sem querer riscou de caneta o vivente. Foi onde tudo se deu forma, mal respirava e o primeiro aroma que sentiu foi o da tinta, usada para descrever maravilhas e sonhos.


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