O nome do barco era Luara e ainda não tinha voltado, as velas ainda invisíveis do ponto em que a mulher se deixara ficar, depois das atenções e do calor, das mãos geladas e da agonia, da solidão e da queda. Ela caíra, nem sentiu doer, a areia fina a protegeu, depois braços em torno de si, quer uma água, senhora? machucou muito? se sente melhor? e ela monossilábica: não não sim, tentando silenciar as vozes de dentro e de fora, olhando fixamente para a linha que traria o barco, Luara, vem Luara, vem. Não demora, Luara, por favor, onde você está, me traz ele de volta, Luara, traz. Não me engana, Luara, vem. E enquanto murmurava a oração ouviu que falavam com ela, senhora, saia daqui, logo chove, espere no cais, lá é mais seguro, é coberto, a senhora fica mais à vontade, a praia não é segura, além disso, pelo amor de deus, ninguém para na praia, vão parar no porto, venha senhora e ela se mexeu mas sentiu o ventre como se formigasse e lembrou.
Ela sentiu o ventre como se formigasse e lembrou que devia esperar. Ainda que a vela invisível teimasse em continuar assim, ela esperaria. Já contava duzentos e dezesseis dias, mas isso não era um ano, ele prometeu voltar antes que o sangue e a água se rompessem dentro dela e trouxessem o filho, ele viria. As primeiras gotas de chuva começaram quase carinhosas, lentamente, lambendo os ombros e as costas, como se penteassem os cabelos, como se fizessem amor com os olhos dela, que os mantinha fixos, nem queria piscar, se piscasse poderia perdê-lo, ela não o perderia, onde você está Luara, por que não chega logo, já se passaram duzentos e dezesseis dias, isso é quase um ano, você precisa voltar, trazer o amor que levou, antes que o filho nasça, antes que eu deixe o mundo, antes que meu corpo canse, onde ele está, Luara? e na linha fixa que se formava no horizonte ela mantinha o olhar como farol, iluminando o caminho, apontando o caminho, clareando as águas para que ele a visse, mesmo sem barco, mesmo sem Luara, esse barco maldito que o levou onde as sereias reinam e agora ele é senhor em algum reino de sereias, de mulheres com corpo de peixe, delícias marinhas, cantos míticos de um tempo inesperadamente antigo.
Rute Ferreira nasceu em São Luís (MA), em 1991. É autora do romance Bordado em Ponto Corrente e dos livros de contos A Urdidura da Matéria e A Estranha Mania das Abelhas, entre outros.
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