Figos e araçás  

com os dedos gelados  

pego na tua mão  

de dedos compridos  

nunca olhei os detalhes  

da tua mão (sou uma pessoa 

que costuma olhar os detalhes 

das mãos) 

faz frio, mas as árvores 

florescem: é estranho,  

você me diz 

os araçás carregados,  

as pitangueiras também.  

nunca vi uma figueira 

que desse frutos no inverno 

precisamos correr, pois 

assim que os figos  

amadurecem, 

eles caem  

preciso escrever, eu te digo 

o que é preciso  

para escrever?  

um pai poeta, intelectual, concursado, acumulador? 

problemas com o pai ou com a mãe? 

uma mãe explosiva, médica, ativista, dona-de-casa? 

problemas com os irmãos?  

nós temos tudo isso 

e não temos os poemas  

todos os nossos amigos são baristas 

têm diplomas e são baristas 

agora todo mundo entende 

de café especial e de dry martini  

é tarde demais 

ninguém tem dinheiro para o aluguel  

além disso, todas as casas são containers 

e todos os prédios são espelhados  

talvez seja mais fácil 

sair da ilha  

do que ver a ilha  

talvez seja mais fácil 

ver a ilha  

do que voltar à ilha  

e o que posso dizer sobre  

esses frutos todos? nada,  

basta que eles existam 

e eles existem  

com pressa  

mas existem.  

“Lagoa do Peri” é uma série de fotografias analógicas fotografadas por mim, Alina Nunes, no final do verão de 2024, em Florianópolis, Santa Catarina. Queimadas em um filme vencido, Solaris 100, as fotografias expressam a sensação de saturação após uma década vivida na ilha, sensação essa que me levou a uma despedida apressada e prematura. Ainda que em cores melancólicas, as fotografias são uma homenagem à ilha onde vivi dos 17 aos 27 anos. Melancolia, despedida e saudade: essas três sensações descrevem a série.  

 


Alina Nunes escreve e fotografa. É doutoranda em História na Universidade Federal de Juiz de Fora. É professora, historiadora e mestra em História formada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Nascida em Pelotas, Rio Grande do Sul, viveu boa parte da vida na ilha de Florianópolis, Santa Catarina, e hoje mora em Juiz de Fora, Minas Gerais, perigosamente longe do mar.  


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