De Amor e de Sonhos

Da portaria, siga reto. Vire à esquerda e continue reto. Passe direto pela rotatória. Depois da casa vermelha, dobre à direita. Siga em frente! Agora é só alegria… Sorria porque você chegou na casa da Katia! =D.

William Souza

Com a pequena Valentina nos braços, abri a porta do quarto de hóspedes que dava para a frente do casarão, que mais parecia recortado de uma vila toscana, e me posicionei frente a imensidão do gramado bem aparado, com coqueiros imperiais divisando o caminho de pedras irregulares, quebradas a mão, que davam um ar rústico e ao mesmo tempo sofisticado ao terreno como um todo. O que fora um dia exuberante Mata Atlântica cedera lugar a plantações de café, em seguida a pastos, e agora se transformava em espaço para gente da cidade que buscava se distanciar da loucura urbana.

Quando a borboleta pousou próxima à pérgula emoldurada por exóticas trepadeiras que davam para a florestinha próxima à casa, a pequena Valentina se agarrou a mim, assustada pelo tamanho do inseto. Acalmei-a e fui mostrando os detalhes daquela maravilha da natureza. A cada poucos segundos, as asas do bichinho se entreabriam morosamente, evidenciando magníficos desenhos em azul e amarelo, dando a impressão que um par de olhos tingidos de preto, desenhados com esmero para afugentar possíveis predadores, estavam fixos em nós.

– Vê, querida, a borboleta tem olhinhos! E está observando a gente. Ela sabe que adoramos fadas e veio nos encontrar. Sentiu que gostamos da sua companhia…

– Fadas?, perguntou Valentina, sacudindo os cachos de ouro, reluzentes sob os últimos raios de sol no esplêndido fim de tarde que a tudo avermelhava, em tons acobreados, passando pelos alaranjados do céu e pelos reflexos amarelados nas plantas, colorindo de um fogo brando a paisagem ao redor. As longas pestanas da menina piscavam de emoção com a ideia de que se tratava de um momento mágico. E era, para nós duas.

– Sim, fadas!, respondi. Isso mesmo, querida! Borboletas são fadas. Dentro da floresta deixam seu corpinho de quase gente aparecer e mandam e desmandam nos reinos das matas, com casinhas perfeitas montadas no alto das árvores, gangorras balançando nas flores, celas colocadas em pássaros para viajar no espaço até as nuvens, e barcos de folhas navegando nas nascentes de água que correm bem longe das nossas vistas, num eterno barulhinho de chuá, chuá…

Os cachinhos da pequenina se reviraram mais uma vez, agora em direção à mata preservada no condomínio rural que se transformou em minha morada na última década. Nunca fui de gostar da roça, mas ali, com Valentina no colo, ela cheia de curiosidade pelos encantos da natureza, meu coração se encheu de alegria, abençoado pela ingenuidade da infância e pelo espetáculo que se abria ao olhar.

Pressenti a pergunta que viria a seguir, e antes que fosse formulada, peguei um cachinho, enrolei entre os dedos e, olhos nos olhos da doce Valentina, sentenciei:

– Toda vez que você encontrar uma borboleta, preste atenção, muita atenção. Ela quer contar algo a você. E se ficar tempo suficiente a seu lado, não tenha medo, ouça o que ela diz. Talvez ela não diga algo com a voz, mas com o sentimento. Olhe ao redor e tente entender o que ela quer. Às vezes, ela só quer que acreditemos nela.

Os olhinhos brilharam de espanto e o dedinho, sem resistir, tocou aquele encanto. A borboleta rapidamente alçou voo e desapareceu, sob o abrigo escuro da floresta, tingida pelos restos de luz do entardecer. Instantaneamente, as duas mãozinhas espalmaram para cima, como a dizer: fugiu!

– Viu só? Ela foi para casa. Daqui a pouco fica escuro, e é justamente quando a noite vem que as fadas se encontram. De dia, como borboletas, voam pelos ares, entram nas casas, visitam os quintais, tocam os carros; mas, quando a escuridão toma conta dessa nossa roça, se recolhem para brincar em grupo, conversar, fazer planos para o dia seguinte e depois descansar, dormir em suas caminhas.

Era palpável o excitamento de Valentina. Na mata, uma área de reserva que se agigantava ao olhar infantil, um recanto, especificamente, chamava sua atenção: a grande Pedra do Sapo, assim apelidada por se assemelhar ao anfíbio que aparecia em profusão no local.

– Olha, não vamos lá agora, tá bem? É que no caminho da Pedra do Sapo escorrega um pouco e a dindinha não pode se arriscar a cair com você, mas amanhã prometo que iremos lá. O que acha da ideia? Aposto que vamos ver mais borboletas, quer dizer, fadas… Aos montes!

Os olhinhos voltaram a brilhar, os cachos balançaram e a expectativa de uma nova aventura pairou no ar. A Pedra do Sapo era promessa para o dia seguinte. E promessas são dívidas, com dividendos. No caso de contos, um portal para um perfeito patchwork familiar. Fadas de um lado, sapos de outro, e um espaço perfeito para a Casa da Princesa. Mas isso é um outro capítulo dessa mesma história.

É só me dar um conto que eu conto…


Katia Dias é Jornalista em atividade desde 1977, nunca perdeu a capacidade de sonhar. Embalada pela mágica da vida, é daquelas pessoas para quem sobreviver não é o bastante. Acredita que, na dinâmica da existência, é preciso dar lugar ao sorriso, ao belo, à criança interior, à inspiração


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