Foi em 1993. Já havia um ano que ele se encontrava internado no Colégio Dom Bosco, nas proximidades do então distrito de Ouro Preto chamado Cachoeira do Campo. Gostava de andar por entre as árvores do bosque, percorrer as trilhas de terra do grande pomar que havia nos fundos do refeitório, nadar nas cachoeiras do Rio Maracujá, traçando caminhos misteriosos como um túnel repleto de morcegos edificado sob uma ferrovia. Havia se adaptado, embora a falta da família batesse forte em seu coração de apenas 12 anos. Sabia que ali estaria sozinho, que teria que se virar, se desdobrar para aguentar a solidão e a falta do lar por longos meses. O alento era saber que não estava sozinho, poderia arrumar amigos, pois o colégio abrigava mais de cem internos; há mais de um ano aquela já era sua casa, onde poderia sentar na escadaria no alto do morro, em frente ao casarão histórico do antigo Regimento Regular de Cavalaria de Minas, e observar os carros passando lá embaixo na rodovia, numa sinfonia natural com o silvar do vento nas árvores e a estridulação dos insetos. Num final de semana em que havia poucos internos, pois muitos moravam em cidades circunvizinhas e podiam viajar, os poucos que restaram observavam ao anoitecer as estrelas surgindo num céu sem nuvens, próximo ao mausoléu, ao lado do Anfiteatro, erguido com uma imponente torre, um sino no alto, perdido no tempo, e uma fachada art déco simples, porém elegante. Estavam com o padre recém-chegado, carinhoso, educado, permissivo, qualidades à época que o garoto encontrava em sua fisionomia bonachona, cabelos escorridos, ralos e lambidos, nariz aquilino envolto em uma pele branca sebosa, andar resoluto, braços proeminentes atirados para o lado e mãos gordas. Sentia que o padre gostava dele. Inocente que era, descobrindo a vida, aquela casa era o seu único refúgio. E lá estavam eles olhando para o céu, identificando as estrelas e os satélites que percorriam caminhos seguros e constantes, dando a volta em um mundo que ele mal conhecia. O restante dos garotos foi jogar bola na quadra em frente; e ele e o padre se sentaram num muro baixo, um ao lado do outro, colados, pois uma das mãos do sacerdote envolvia seu corpo franzino. Ele estava feliz, mas estranhou quando o padre percorreu a mão pelas suas costas, debaixo da sua blusa, em contato com sua pele, e desceu com seus dedos salientes sob sua bermuda. Ficou paralisado. Não tinha noção da vida, não tinha noção de nada relacionado àquilo. E o padre sorriu.
Darlan Lula é doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Escritor, autor de cinco livros, entre prosa e poesia. www.darlanlula.com.br
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