De Cristo a Krishna. Da partícula de Deus à Mercúrio retrógrado. Em cada penitência cumprida e em cada blasfêmia o ser humana desenvolve explicações para tudo. Aparentemente, existe uma força torrencial em cada indivíduo que os impele a emitir suas opiniões ou juizo de valor sobre cada evento, objeto, sujeito e conceito. Principalmente quando falamos de arte.
Devo adimitir, realmente a arte tem lá seus delírios e excentricidades. No entanto, a dimensão de entendimento sobre o que é? (enquanto campo do conhecimento), e o que fazer? (da experiência diante da obra de arte), está incrivelmente distante de seu aspecto social digamos… “popular”.
Enquanto linguagem, para o grande público, uma noção antiga, revista e reforçada pela filosofia iluminista, alimenta o ideário de que a Arte é algo que atinge um mérito estético, técnico, primorosamente executada e extasiante. É como se a essência de um trabalho artístico estivesse contida apenas na capacidade técnica de um indivíduo reproduzir uma paisagem, um retrato ou alguns objetos corriqueiros. Eu sei, isso é arte sim. Mas devo dizer que a arte não se restringe a essa concepção.
Por outro lado, vemos grupos pseudo imbuídos de arquétipos do fazer artístico pós-moderno, descobrir, na inteligência das artes, uma ferramenta de distinção social. Talvez seja uma debilitadade decorrente da precoce e constante exposição a tecnologias como a internet e as midias socias, mas o ponto é que, obras contemporâneas cuja valoração encontra-se nas minúscias que perpassam os discursos, são utilizadas para hierarquizar um complexo sistema de castas intelectuais, do tipo:
– Nossa, você não entendeu a performance da Marina Abramovic? Eu sei, é difícil mesmo. Eu adoro as performances dela!
Veja bem, o ponto aqui não é você achar que arte é só a pintura clássica e o barroco, tampouco adorar de maneira excêntrica a obra da Marina Abramovic. O fato é: você realmente entende como a proposição contribuiu para o campo da arte? E se entende, o que isso te proporciona como ser no mundo? O questionamento em si é especificamente com a necessidade de criar explicações e emitir opiniões parcamente embasadas para todas as situações. E se citarmos o mercado da Arte então… podemos dizer que as distâncias ficam ainda maiores.
Enfim, nos casos citados, podemos enxergar exemplos de como há uma progressão acadêmica nas discussões artísticas que não inclui o indivíduo comum. Pelo contrário, o coloca na condição de estrangeiro no território das artes, enquanto ele acredita estar apto a usar um repertório escasso para emitir suas opiniões e construir suas noções sobre arte e cultura. E este é um fenômeno que contribui para que leituras equivocadas sobre a função social de um artísta construam as narrativas pitorescas que ocupam uma parcela hegemônica no pensamento do senso comum.
Por isso é importante discutirmos essas questões. Essa percepção de massa influencia diretamente na criação de políticas públicas voltadas para o fomento de ações culturais e artísticas, precarizando as condições de trabalho de milhares de artístas, além de contribuir para que práticas de demonização da categoria sejam cada vez mais frequentes, especialmente quando houver performances com nudez, ou referência religiosa, por exemplo.
É preciso ter em mente que a arte é um campo do conhecimento complexo e ambíguo, que deve ser tratado com seriedade e comprometimento. Da mesmo forma que não vemos ninguém questionar à um engenheiro se um edifício é de realmente um edifício, podemos supor que, se as pessoas não se amotinassem escandalizadas em boicotes por virem algo que não consideram arte, seria pelo fato de termos socializado os debates e reduzido o enrigecimento desse status quo.
Talvez nesse dia, as nossas versões de tudo sejam construídas de maneira mais tolerante, crítica, acessível e solidária.
Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador, escritor e violonista. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.
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