Rimbaud vai para Minas Gerais

O poeta maldito estava inquieto
Longos ecos se confundiam na sua cabeça
"os perfumes, as cores e os sons se correspondem"
Repassava os versos de Baudelaire
Sentia-se explorar zonas desconhecidas do inconsciente
Estava no inferno da própria loucura
Impaciente começou a caminhar
Procurava alguém para conversar
Partiu em busca de Verlaine
Mas foi o eclipse da paixão...
Amado-amante apontou-lhe a arma
Desolado e irritado
Escreveu cartas acusatórias
Desprezava o prestígio social
Meio embrutecido no amor romântico
Rotularam-lhe decadente
Fechado em suas capacidades expressivas
Expulso novamente de Paris
Tomou o primeiro trem na Gare du Nord
Viajou dias sem conta
Por trilhos desconhecidos
Sem destino em mente
Dormia pesadamente com pesadelos convulsivos
Acordou com os risos da mulher contando um causo
Tomando cachaça num copinho
Arthur recebera um dom: entendia mineirês
- Uai, sô, rapidim, ó procê vê,...
Tudo compreensível aos seus ouvidos destreinados
Ele já especulara que "a moral é a fraqueza do cérebro"
Seria um idioma exótico do mesmo jeito?
Observou a paisagem pela janela lateral
Mar de morros sem fim!
Decidira descer na próxima parada
A estação se ligava numa praça
Viu uma fumaça de café sinuosa
Caprichosa veio ao seu nariz
Entro no recinto de origem
Homens alegres proseavam
Interessado no tema, entrou na conversa
Discutia com o mais sabido deles
Se era prosa poética ou poema em prosa
O matuto Guimarães Rosa
Ofereceu broa ou Romeu e Julieta
Não entendeu a referência a Shakespeare
Aceitou e comeu assim mesmo
Externou sua rebeldia incontida
Encontrara finalmente um interlocutor
À altura de suas aspirações
Perguntado sobre o que buscava na viagem
"O ar e o mundo a se buscar. A vida."
Mas, acrescentou:
"A vida é uma farsa que todos tem de representar"
Sereno, o sábio de Cordisburgo disse:
"Viver - não é? - é muito perigoso"
E completou:
"Por que ainda não se sabe
 Por que aprender-a-viver
 É que é o viver, mesmo"
Estranhamento encantado
Desarmou-se o francês
Encorajado pelo filosofar
Deu largas ao seu coração
Afirmou que o eu não cabe em si
Considerava-se uma alma universal
Avessa à qualquer padrão
João sorriu matreiro
"Natureza da gente 
 Não cabe em certeza nenhuma"
Olhos a brilhar, contou longamente
Sobre Diadorim e seus olhos verdes
Cativado, le poète resolveu mudar-se
Instalou-se em Matias Barbosa
Passava os dias a fotografar
Pesquisando uma linguagem universal
De alma para alma
"resumindo todos os perfumes, sons, cores"
Nas férias costuma visitar Mônica
Vai de moto para Brasília, ela não vem
"Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação"
Apenas alguns dias fora
Logo volta para as alterosas

Descobrindo-se novas iluminações
Libertas quae sera tamen 

Gabriel Garcia é poeta. Atua como professor de Física nas horas vagas.



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