De acordo com o verbete da palavra sensatez no dicionário Michaelis, seu significado indica cautela e ponderação no trato e resolução de assuntos difíceis ou delicados; precaução, prudência, sabedoria. Ou seja, quer dizer que o exato contrário de sensatez estaria no absurdo.
Culturalmente é considerado insensato aquele que se desprende da lógica da normalidade social, se descolando de noções consolidadas e aparentando estar alheio à própria consciência. Uma comparação eloquente poderia ser com aquele que é considerado louco ao longo da história. A diferença que, em teoria, a insensatez tem prazo, é como um desvio. A loucura se constitui como um condição patológica.
Para falar de insensatez temos que recorrer à um empilhamento de convenções conceituais que construíram nossas noções de sensatez, precaução, prudência e normalidade.
Nessa lista de possibilidades, consideramos que é prudente que não toma decisões que podem culminar em danos físicos, morais ou até mesmo ao patrimônio próprio ou de terceiros. Decisões que podem colocar em risco um estado de suposto bem-estar pessoal, bem como coletivo, podem ser consideradas insensatas. Sendo assim, quem considera as possíveis consequências de suas ações antes de efetivá-las, ou, até mesmo analisa melhor as referências existentes para projetar um caminho que parece mais seguro de alguma maneira estaria mais próximo da sensatez.
Veja bem, ainda temos o caso do indivíduo que analisa as próprias opções e o cenário em que elas precisam ser tomadas antes de fazê-las, mas, ainda assim, decide deliberadamente pelos opções menos eloquentes, que ferem ou apresentam riscos reais , não pode estar gozando de plenas faculdades mentais de acordo com os padrões culturais, pelo menos aqui no Brasil.
Diante desses cenários, é preciso ter em mente que para que nossas possíveis decisões possam ser consideradas sensatas é preciso haver um nível razoável de consenso sobre as opções em que esse cenário se apresenta. Assim, dependemos, obrigatoriamente de identificar e considerar nossas possíveis referências. E, infelizmente, nessa espécie de brecha lógica que a insensatez encontrou um campo fértil para se instalar.
Vivemos em uma sociedade onde a interpretação dos fatos e a construção de narrativas estão substituindo a visão do próprio fato em si. Ou seja, as narrativas criadas são consideradas o próprio fato. Assim, o caminho lógico para se tomar decisões sensatas já se inicia a partir de dados contaminados. E esse é o grande problema.
Se temos distorções sobre o que de fato ocorre, suas motivações, contextos e consequências, corremos o risco de que decisões insensatas sejam consideradas prudentes e corretas, criando cenários devastadores no contexto social e político.
Isso faz com que as ideias mais estapafúrdias e delirantes, sejam levadas em consideração como se fossem razoáveis.
Nesse contexto, o cinismo e o mal-caratismo ditam as regras do convívio social, colocando visões sensatas sobre a realidade na posição de insensatez. Essa inversão se tornou um projeto de poder, cujas ferramentas vão desde a destruição de reputações à criação e distribuição industrial de notícias falsas. Sob essa ótica, o espectador comum se encontra em uma posição confusa, sem condições de verificar a confiabilidade das afirmações para distinguir aquilo que é sensato ou não em suas decisões.
Esse acaba sendo um retrato triste do Brasil atual, onde as pessoas “descobrem”, aos poucos, que a Terra é plana, onde Cristo endossa assassinatos, onde uma pandemia mundial se torna uma farsa ou um resfriadinho.
Hoje, no Brasil, é possível que a sensatez esteja no poste mijando no cachorro.
Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador e escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.
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