Hoje eu acordei chorando. A dor que eu sentia no meu coração só me permitia isso, eu tentei disfarçar da minha mãe no café da manhã, ou quando eu fui dar bom dia ao meu irmão. Coloquei culpa numa crise. Crise de alguma coisa, pensei e acho que falei em enxaqueca, ou qualquer coisa descontrolada que me fizesse chorar, somente para passar batido e não ter que responder a ninguém sobre isso.
As vezes eu penso que preciso desistir. Essa minha ânsia em sair lutando de peito aberto tem feito mal para mim, alvo sem escudo não vê de onde vem a flechada. Eu tenho percebido que na minha vida o verbo “desistir” está se ligando estritamente com o verbo “admitir”,e não é somente pelo motivo de ambos estarem na caixinha da terceira conjugação, e eu coloquei-os aqui no infinitivo. Desistir hoje pra mim significa o que eu sinto ou não quero admitir.
É horrível admitir que a primeira coisa que eu penso quando escuto “Amor” é o seu nome. Chega a ser vergonhoso admitir, nem que seja para esse pedaço de papel, que quando eu penso em você, ainda falo “Meu Amor”. Ainda aqui eu entro numa espécie de bifurcação, e não é sobre admitir, é entender se minha vergonha vem de não poder mais te chamar de “Meu Amor”. Melhor, tem a ver sim com admitir.
Eu preciso admitir que aquela música que você me mostrou e elegemos como nossa,hoje fala muito mais sobre mim do que sobre você. Na verdade, gente não tinha só uma música,né? E fica até difícil fazer você saber assim, era uma para cada medo vencido, ou uma para os prazeres velhos que redescobríamos pelo sorriso um do outro. Coisas que eu trazia em mim e que você carregava, juntamos e compartilhamos. Mas aquela que descrevia a nossa confusão de não saber desligar um do outro, ou de não entender o que era aquele sentimento. É tão linda. Não me surpreenderia você ter dedicado ela à sua nova pessoa
Eu preciso admitir que o mundo que era todo nosso ainda existe, ainda que para você isso não faça diferença, mesmo que você tenha saído e me deixado lá sozinha. Eu preciso te contar que ele não tá igual, eu o mudei. Primeiramente porque ele ainda estava sendo construído quando você escolheu ir. Contudo, hoje ele está um pouquinho mais bonito. Tem mousse de maracujá na geladeira, bolo esfriando fogão, cozinha de madeira e um pôster daquela sequência de filmes do final dos anos 70, que eu sempre cito errado, mas eu sei que você adora. Admito também que o transformei com o objetivo de te apresentar um dia. De marcar um encontro naquele café da Avenida que a gente nunca foi. De dançar sem música, ou simplesmente daquela imitação de sinfonia que você fazia..
Nessa altura, eu nem preciso ser clara ao dizer que nossos planos ainda estão de pé. A nossa aguardada fuga para alguma comunidade do interior, longe de tudo. Onde você voe bem, me queira bem,durma bem,se sinta bem, leve e livre. Longe desse emprego que odeia, mas enfim juntos como voluntários em algum lugar.
Um fato é admitir o quanto eu me sinto presa. Como se eu tivesse uma fita cassete, gravada com algumas músicas. Só uma. E nesse lado B, tem todas aquelas que eu jurei mandar para você tentar enxergar e me entender. Mas provisionalmente na hora que respiro fundo, enchendo meu peito de coragem, me desmonto com o despreparo para as minhas lágrimas que rolam, me recuso, e muito, mas devo admitir que apesar de ter sido lançada há muito tempo, a Marisa Monte cantando “Não é fácil, Não pensar em você” nunca foi tão eu.
Admito que todo dia eu quero te mandar uma mensagem. Essa semana eu quase te contei que assaltaram meu prédio. Semana passada quando mexi nos meus livros, vi uns contos sobre ficção, quase mandei. Outra vez foi um áudio, uma música que eu gravei com um grupo de amigos. No início do ano ia te zoar lembrando que até hoje você não sabe editar suas fotos. Ou mesmo para te falar que agora eu incremento meu queijo quente com tomate e cebola, e que agora eu descobri que a gente deve colocar o creme de leite quando o brigadeiro está começando a ferver, a palha italiana fica mais cremosa, por isso mudei minha receita. Mas a sua indiferença me questiona, me dói e me corrói, seu silêncio dilacera meu coração, e me agride. Ficando quieta, admito.
Às vezes parece inevitável admitir que nós dois só teve importância para mim. Como se eu tivesse que fechar um pacote por dentro, me incluir na sua estatística, aquele nome riscado da sua lista.
O concreto é admitir que eu não fiz isso para você ler.
Tudo aqui foi montado somente pro meu coração não esmorecer. Não admitir para mim que as vezes eu me odeio por ter sido tão humana, mesmo que não é fácil de não entender. Admitir não é fácil e me fazer perceber que eu ainda não tenho coragem nenhuma para desistir de você.
Aurora Rodrigues é estudante de literatura e anda escolhendo quem quer ser, mas não encontrou saída para a alergia a amendoim, a paixão por jujuba e o ódio por guaraná Antártica. Quanto ao resto, tem usado o próprio nome para tentar refletir o renascer dentro de si.
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