Jovens da Periferia de Recife buscam ponto turístico para banho de rio
Com alternativas escassas de lazer devido a COVID-19, grupo de rapazes tentam preencher o tempo com pulos e acrobacias nas águas.
Com avanço desenfreado do coronavírus em diversos países no mundo (e em destaque no Brasil, líder de casos na América Latina), a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é ficar em casa. Contudo, para quem não dispõe de uma casa espaçosa nem de acesso a tecnologias, manter-se em casa é uma tarefa mais difícil; e em se tratando do público infantojuvenil, ficar em isolamento pode ser um desafio ainda maior.
Na Ilha de Joaneiro, localizada no bairro de Campo Grande, em Recife, um grupo de jovens se diverte nas águas do entorno do Marco Zero do Recife, cartão postal da capital pernambucana. O local, que desde o início da quarentena está vazio de turistas, estava tomado por risos e sons de splash nas águas do rio Capibaribe produzido pelo grupo, em uma mistura de diversão e competitividade.
Ainda em meio ao cenário de pandemia, os meninos estão lá a postos para realizar o próximo pulo, rumo às águas escuras do rio. Como em um salto olímpico, eles se preparam. Se concentram como se mais nada houvesse no mundo. Mira, estica e pula. O salto, para os olhos de quem não está acostumado a ver, saiu perfeito. Mas para eles, a exigência é maior. Mesmo com o frenesi do momento, os jovens de Campo Grande conseguem manter uma distância maior entre eles no rio do que na própria casa ou na comunidade, a Ilha de Joaneiro.
Esse grupo de jovens nos ajuda a entender melhor como está sendo a realidade das opções de lazer, em meio a pandemia, para a juventude periférica local. Batizado de Galera do Terreno (GDT), o grupo é composto por rapazes – crianças e jovens de 8 a 21 anos – e surgiu a partir da reunião para jogar bola em um terreno abandonado no bairro. Eles se organizam através de um grupo em uma plataforma de conversas online e, como a prática do futebol está proibida por ser um esporte de contato, os rapazes passaram a utilizam o grupo para marcar os mergulhos e banhos de rio no Marco Zero do Recife.
O GDT, porém, não é um simples grupo de crianças que brincam. Com regras internas de comportamento, os jovens da Ilha de Joaneiro buscam se blindar do preconceito por virem da favela e visam evitar a forte coerção policial. As regras de convivência são seriamente respeitadas no grupo. Maycon Cosmo Barbosa faz parte do GDT e conta que baderna e mau comportamento não são aceitos no grupo: “Quem fica com perturbação ou maloqueiragem é ‘cobrado’ pela galera”. Isso significa que o membro do grupo que quebra as regras é punido pelo grupo, podendo ser barrado nos encontros seguintes. Essa é uma forma deles se protegerem da ações mais truculenta dos agentes de segurança.
Aos 21 anos de idade, Maycon atua como Salva Vidas e estava fazendo o curso de Bombeiro Civil antes da pandemia da COVID-19. Ele conta que parte do desejo em utilizar as habilidades de natação para realizar resgates se deve aos passeios até o rio com o GDT. Respeitado por todos, os meninos são enfáticos quando se referem a Maycon; “Esse é o Maycon ‘Felps’. Quem atravessa com ele, tá com Deus”, relata um jovem, em referência à travessia a nado até o parque das esculturas – que só é realizada pelos mais velhos, tendo em vista o grau de dificuldade e a correnteza presente no rio.
Quando questionados sobre outras opções de lazer, os jovens do grupo relatam que está sendo difícil ficar em casa. Muitos não possuem celular, computador ou videogame e, antes do novo coronavírus, seu lazer consistia em jogar bola e conversar com os amigos na rua, atividades proibidas em função da quarentena e do isolamento social.
Davidson Farias, 17 anos, faz parte do grupo e está no segundo ano do ensino médio. O jovem conta que, atualmente, complementa a renda da família trabalhando como barbeiro: “Estou aqui com meus amigos, mas minha mãe não pode saber que estou pulando no rio. Ela tem medo que eu venha para cá. Mas em casa, eu corto o cabelo dos amigos, ajudo ela nas coisas de casa, e depois não tem mais nada para fazer. Então eu venho para cá”.
Isolamento Social e Juventude
A psicóloga Carla Amorim estuda Terapia Cognitiva Comportamental e relata que o isolamento social causam um grande impacto psicológico na população de forma geral; e em se tratando de jovens, esse impacto pode ser agravado: “Observamos que os adolescentes, em geral, possuem mais dificuldade de diálogo e comunicação. Os jovens, em sua maioria, preferem manter contato mais próximo com os amigos, quando se trata de conversa, se sentem mais abertos. Impossibilitados de fazerem isso, se fecham. Muitos possuem dificuldade de ter um relacionamento interpessoal em casa, com seus familiares”, destacou.
Ao falar sobre a quebra de rotina da população infanto-juvenil, a psicóloga fala que qualquer mudança brusca no ritmo de vida pode interferir na saúde mental de crianças, jovens e adolescentes, e que o ambiente familiar sem diálogo nessas circunstâncias pode pesar ainda mais: “A mudança de rotina traz com ela o aumento dos níveis de ansiedade, o que pode culminar sentimentos e comportamentos depressivos. Em casos mais extremos e raros, podem ocorrer pensamentos suicidas. Esse último ponto, com menos frequência.”
Partindo para o campo da pesquisa e da promoção dos direitos da criança, do adolescente e do jovem, o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e coordenador das Escolas de Conselhos de Pernambuco Humberto Miranda destaca que o contexto da pandemia acentua a desigualdade pré-existentes, atingindo em cheio os mais vulneráveis. Ele ressalta que, em tempos de quarentena, devemos ser mais compreensivos para entender melhor as dificuldades do outro enfrentar o isolamento social. “É difícil [até mesmo] para um jovem de classe média, que mesmo em isolamento, possui internet, televisão por assinatura, informações adequadas de como se alimentar e se exercitar; [então] vamos avaliar a dificuldade do jovem da periferia que vive em condições de moradia precarizada, muitas vezes sem comida, não dispondo de estrutura material para vivenciar o distanciamento social dignamente. É fundamental o exercício da empatia, percebendo que são condições diferentes”, pontuou.
Quando destacamos as diferentes formas de lazer que os jovens do GDT vêm praticando, Miranda enfatiza ainda que a cultura infanto-juvenil periférica possui referenciais de pontos de diversão mais diversificados, saindo do senso comum das classes mais ricas. Para eles, as ruas, pontes e rios possuem outro sentido. “Precisamos respeitar as diferentes formas de sociabilidade vivenciadas por eles, uma vez que são produções culturais, manifestações de arte, de lazer e de esporte que, nesse período de pandemia, também estão comprometidas. São nesses espaços que eles aprendem, produzem cultura e se manifestam politicamente.”
Para que o impacto do isolamento seja minimizado, meios alternativos de lazer são essenciais para que jovens periféricos enfrentem a pandemia com a mente saudável. Através da improvisação, grupos como o GDT tentam se distrair para irem além do medo da contaminação que permeia a mente de boa parte da população. Sem deixar de dar importância ao isolamento social, é preciso ter um olhar empático para compreender a importância da sociabilidade das crianças, jovens e adolescentes para que tenham alternativas seguras de distração.
Thays Martins é jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com bolsa de pesquisa CNPq sobre o pluralismo e as diversidades sociais apresentada na cobertura diária de um jornal local de Pernambuco. Atualmente, trabalha com a cobertura da pandemia da COVID-19 em Pernambuco.
Leandro de Santana, 31 anos, pernambucano. Atualmente Fotojornalista no Diário de Pernambuco e Agência Pixel Press, faz parte do Coletivo Fato, junto com outros fotojornalistas de Recife. Leandro tem passagens pela agência O Dia do Rio Janeiro com publicações no Jornal The Guardian , Washington Post entre outros Jornais Internacionais.
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