Solidão, Artistas e Pessoas Altamente Sensíveis

por: Enrique Coimbra

Você passa dias trancado, escrevendo ou criando no seu ateliê, a ponto de nem perceber o sol morrendo do lado de fora? Prefere a companhia da arte aos papos efêmeros dos relacionamentos sociais? 

Você não tá sozinho – ao menos não dessa vez.  

Além de escrever artigos como ghost-writer, escrevo, reviso, produzo e lanço livros independentes na internet, e também mantenho o canal Enrique Sem H com vídeos semanais que vão desde minimalismo e viagens, à depressão, bem-estar e comportamento – o que significa que de segunda a segunda passo entre 6 e 16 horas por dia de frente pro computador, criando arte e conteúdo sozinho

Apesar de ter bons amigos, nossos encontros não são frequentes porque tô sempre ocupado com um projeto que me inflama de paixão, e por cima disso fica a frustração de não ter dentre esses amigos nenhum que trabalhe com arte, internet ou criação – o que significa que além de me sentir solitário, também me sinto isolado

Esse assunto é tão alienado que só de comentar da ponta desse iceberg numa conversa de bar, sou abordado imediatamente com a pergunta de um milhão de dólares: 

“Se a solidão te incomoda, por que você não sai mais?” 

E então preciso respirar fundo e explicar rápido, de um jeito resumido, pra não perder a atenção dos meus interlocutores: 

“A solidão não me incomoda, gosto de estar só. O que me incomoda é ser tão apaixonado pelo que faço, pelos mundos que invento, pelas informações que compartilho, que fico triste por não ter um amigo próximo que esteja tão atolado no vício de criar quanto eu. Fico incomodado por sentar numa mesa de bar pra falar de coisas que vão desaparecer da sua cabeça depois de algumas horas, em vez de estar trocando experiências sobre nossos próximos textos, ou de estarmos inventando alguma coisa mágica juntos.”  

É sério, a solidão não me incomoda. O que incomoda é sentir que sou a única pessoa num raio de centenas de quilômetros fazendo o que faço – ou curtindo um tipo de prazer que não é fácil de dividir, que não é um entretenimento popular (nem um “entretenimento” de maneira alguma).  

“Por que não faz amigos artistas na internet? Por que não procura grupos de escritores online?” 

Porque companhia virtual é o que já tenho: bato ótimos papos com meus clientes (pra entender que tipo de texto querem que eu produza), tenho meus personagens e as insanas aventuras que me arrastam pra viver com eles dentro do computador, e falo frequentemente com várias das 200 mil pessoas que seguem meus vídeos. 

Pra um artista, pra solidão de um artista, o mundo virtual não é suficiente.  

A fisicalidade; a materialidade de um relacionamento – os olhares, os tons da conversa, as falas do corpo –  é insubstituível pra quem se alimenta de (e é dado de alimento para as) experiências humanas. 

A solidão do artista é diferente da solidão dos mortais: ela não é ruim, nem boa – mas é constante. E dela nascem não só as frustrações esperadas desse substantivo (assustador pra maioria), mas também grande parte do que torna cada criador único; do que torna cada expressão de arte singular

Alguns estudiosos vão além e afirmam que a solidão é requisito básico para enorme parte dos líderes bem-sucedidos, dos gênios indomáveis e, indiscutivelmente, dos artistas mais significativos da história. Por quê? Porque o cérebro dessas pessoas funciona num ritmo que não é melhor nem pior que o ritmo dos outros – mas que funciona de um jeito introspectivo

Posso falar por mim, que além dos dramas de ser o único escritor-criador da minha região carioca – ao menos o único que usa isso como fonte integral de renda e se mantém público na internet – sou o que estão chamando de “pessoa altamente sensível”.  

Basicamente a maioria dos artistas que você ama e admira é (ou foi) o que o os norte-americanos chamam de highly sensitive person, ou, na língua dos cientistas, alguém que tem “transtorno de sensibilidade sensorial” – pois é, artistas são mesmo transtornados…  

Quem tem um cérebro “hipersensível” sente as coisas com intensidade tão exclusiva que o mundo interior dessa pessoa acaba sendo muito mais interessante que o mundo exterior que conhecemos. 

Gente altamente sensível também é muito mais afetada pelas artes, se sente sobrecarregada por informações com facilidade, tem dificuldade de realizar tarefas quando são observadas, é consciente sobre as sensações do corpo, é capaz de observar as menores mudanças no ambiente em que vive, e é capaz de transformar coisas ordinárias em grandes experiências filosóficas, profundas e existenciais.  

Se identificou? 

A causa dessas sensações intensificadas tá no sistema nervoso, que é facilmente excitável – não só pelos dramas e belezas no comum, mas também pelo excesso de barulho ou de luz, por exemplo – e também tá na hiperatividade da região insular do cérebro, o que explica a percepção aumentada e a sensibilidade física de maneira geral. 

Além de grandes artistas, empatas, e ótimas pessoas pra conversar, quem possui esse traço também tem pré-disposição a depressão e ansiedade descontrolada, o que pode estar ligado à baixa produção de serotonina nesse organismo em constante alerta e questionamento. 

Ou seja, a solidão de alguém envolvido com arte pode ser dolorosa não pela solidão em si, mas pela  sensação de impotência ou pela falta de compreensão das outras pessoas sobre as coisas que um artista sente diferente – com mais consciência e imersão. Por isso é mais fácil pra alguém assim focar na criação, no trabalho, do que desperdiçar energia alimentando a esperança de encontrar um “igual” pra dividir esse fardo em algum momento.  

Sobra pro artista viver nessa dimensão particular sozinho, analisando o que é percebido e sentido, para enfim cuspir numa obra o excesso de informações e diálogos internos, convertendo um elemento emocional num elemento físico de um jeito que permita aos outros verem de relance um pedaço do universo que esse artista decifra em isolamento.  

E até hoje há quem diga que viver de arte é coisa de vagabundo preguiçoso… É mole?! 

Se a solidão é parte inerente da sua rotina – e se ela te incomoda – continue fazendo o que você tem feito: crie coisas! 

Uma vez pronta, uma obra de arte comunica com assertividade tudo aquilo que até então você nem sabia como falar. Se não for suficiente, dê um passo além e tente identificar e reunir os artistas da sua região. Não é tarefa fácil, mas a companhia de outros artistas sempre pagará o esforço inicial, vai por mim. 

O principal é entender que assim como o labor do educador depende do convívio com outras pessoas pra se suceder, o labor do artista depende de um relacionamento intenso consigo. É uma soma básica. 

Como supostamente Henri Lacordaire disse: 

“É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o gênio.” 

Apesar de odiá-la quando há muito pra ser dividido, comentado e sentido apenas por mim, é graças à solidão que encontro novos caminhos no labirinto obscuro da mente – e de lá eu volto à superfície com mais de mil novas histórias pra contar. 

E você? O que você traz dos mergulhos ao seu abismo? 

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