Capitão Fantástico, a Liberdade e o Conhecimento

Sem Spoilers

Eu não sou cinéfilo. Não possuo qualquer conhecimento que possa contribuir para discutir proposições estéticas de diretores de fotografia e arte, ou estruturas narrativas de roteiristas e diretores. As técnicas e estratégias possíveis para solucionar os problemas do audiovisual sequer passam pelo meu parco vocabulário. Entretanto, creio que alguns filmes são capazes de nos fazer mergulhar profundamente no vasto oceano da condição humana, ainda que não tenhamos o conhecimento abrangente sobre sua apresentação.

Não tenho aqui a intenção de fazer uma crítica, resenha ou sinopse do filme, mas sim propor algumas reflexões que considero relevantes a partir do longa.

Entre livros e autores que me são familiares, e uma rotina onde há prevalência da disciplina e dedicação, Viggo Mortensen dá vida ao Capitão Fantástico. Na realidade, preciso dizer que é mais do que isso. Ele desbrava e revela, gentilmente, outras possibilidades de se exercer a vida.

Ben (Viggo Mortensen) e seus filhos em Capitão Fantástico.

Diante do empilhamento de convenções que a sociedade estabeleceu ao longo das eras, o condicionamento à rotinas estruturadas em função de um sistema político e econômico que zela pela desigualdade, nos coloca em uma posição onde só podemos enxergar caminhos pré-estabelecidos para experimentar a vida. Esse estreitamento da dimensão existencial do ser humano, foi tratado por diversos autores na literatura, na filosofia, sociologia e história, evidenciando a fantasmagórica presença de uma entidade opressora organizada e poderosa, que administra a tendência ao acumulo de riquezas em poucas mãos e estabelece critérios para hierarquizar vidas – a tal necropolítica.

Sabemos que a capacidade humana de consumir e mitigar recursos para manter padrões desiguais de dignidade sempre foi observável. No entanto, a semente da resistência à opressão reside na essência mais humana do ser: ter conhecimento sobre a própria existência.

Por esse motivo, por mais dura e indigna que sejam as condições que a vida possa apresentar em sua estrutura social, política e econômica, alguns conceitos são extremamente sensíveis à cada homem e mulher sobre a Terra. E eu me arrisco dizer que a liberdade talvez seja o maior de todos.

Assim como em Walden, ou A Vida nos Bosques de Henry David Thoreau, Capitão Fantástico oferece uma maneira mais crua de se debruçar sobre as noções de liberdade e conhecimento, tendo como base noções de humanidade estabelecidas na Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, e várias obras literárias como Os irmãos Karamazov (Fiódor Dostoiévsky), Quem Governa o Mundo (Noam Chomsky), Armas, Germes e Aço: os destinos das sociedades humanas (Jared Diamond), entre outros.

Curiosamente, tratando-se da educação dos filhos, uma rotina rigorosa, disciplinada e alicerçada na autoridade dos pais, é o caminho escolhido por Ben (Viggo Mortensen) e sua esposa Leslie (Trin Miller) para criar condições de emancipação intelectual e desenvolvimento humano de todos. Nesse sentido, o filme destaca que não há liberdade que possa ser alcançada sem o rigor da disciplina ou a amplidão do conhecimento.

Por outro lado, o filme contrasta em muitos momentos a vida levada por Ben e seus filhos na natureza com a vida como vivemos nas cidades, colocando em evidência a precariedade do modo como a vida moderna se organiza política e socialmente, mas também as limitações impostas aos filhos pelo modo como vivem.

Desse modo, após assistir o filme, fica a sensação de que é preciso romper a barreira da ignorância que nos cerca a cada embalagem plástica que descartamos. Que o método industrial e as noções de produtividade do mercado tomaram conta também de nossas relações, onde tudo é esvaziado de sentido em prol de uma superficialidade intelectual suficiente apenas para executarmos funções básicas no meio social no qual estamos inseridos.

Somos, assim, convidados a recorrer à tomada de consciência a partir do entendimento das noções de liberdade, humanidade e conhecimento, (em alguns casos, até mesmo de desobediência civil), e compartilhar a mais elevada e importante experiência que a vida pode proporcionar: a simplicidade de dividir à mesa, a existência humana – tempo de vida que escolhemos passar presos às relações que nos trazem o verdadeiro significado do que é liberdade.


Frederico Lopes é Artista e Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.


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