Contra-cultura Pós-moderna

Nos dedicamos diariamente a manter tudo em ordem. O trabalho pontual. As contas em dia. As redes sociais atualizadas. As aparências em riste.Ao que tudo indica, quanto maior o nosso esforço para alimentar esta enorme bolha de sabão, em nosso íntimo, mais consciência temos de que jamais seremos capazes de torná-la sólida. Por conta disso, passamos a construir um grande muro ao nosso redor.

A fragilidade das nossas relações, de nossos atos, de nossas opiniões, de nossa existência é tamanha, que precisamos nos anestesiar, diariamente, de toda a dor e sofrimento que afligem a humanidade. É como se alteridade fosse uma espécie de doença, extremamente contagiosa,que causa dores implacáveis,capaz de gerar uma epidemia sem precedentes.

Portanto, é fundamental que ela seja exterminada e o ambiente onde ela possa se proliferar seja esterilizado. Essa imensa histeria coletiva, produz dicotomias já comuns, como o preenchimento do sentido da vida por ilusões de comprometimento, alegria e autenticidade. Por meio de publicações “solidárias” (#somostodosNotredame), número de curtidas, fotografias de momentos lindos e felizes nas redes sociais e maratonas de séries e filmes esboçamos tentativas frustradas de vencer o crescente vazio existencial. Logo, viver torna-se tão superficial quanto uma página do Instagram.

É possível afirmar que tremenda luta diária em busca da manutenção egoísta de uma falsa felicidade, visa proteger a si mesmo das angústias carregadas no peito. É natural, pois o coração clama por sentimento, o cérebro por razão. Se o sentimento for triste e ruim ao coração, é preciso acalentá-lo com ilusão de felicidade.

De um modo geral, não importa mais o tamanho da barbárie, o esforço para neutralizar-se será igualmente proporcional

É como se fossemos capazes de criar nevoeiros particulares, ocultando o que convém de modo a não sermos atingidos pela dor de se compadecer pelo sofrimento do próximo. Neste caso, inclusive, é presumível que o entendimento sobre o que ou quem é o próximo tenha sido reduzido às nossas redes de sociabilidades, conforme variar o nosso interesse.

O problema é que este comportamento, por si só, além de ingênuo, é absolutamente ineficaz. Ingênuo pois é impossível evitar o sofrimento. Ineficaz pois o muro que construímos ao nosso redor não só impede que as pessoas entrem, mas também nos impede de sair.

Quanto mais esforço houver para evitar ver, sentir, e comover-se com a dor do “outro”, mais sentiremos o impacto quando a mesma vier ao nosso encontro, e, ao mesmo tempo, mais próximos estaremos do completo esvaziamento de sentido de nossas existências.

É preciso chorar a dor do homem que, desempregado, desconta suas frustrações em discussões políticas acaloradas. Da mãe que, despedaçada, vê sua família ruir e perde o filho para o crime. Do filho que, sem oportunidades ou recursos, encontra-se encurralado como em uma situação desesperadora de sobrevivência. Da criança que sente fome, que passa dias sem ter qualquer tipo de alimento e vagueia pelas ruas em busca da sorte que perdeu. Do morador de rua, que invisível, permanece moribundo, transformado pela sujeira da dor e do sofrimento em um animal qualquer, abatido em uma beirada de meio fio.

É certo que não há como garantir que coisas importantes que devemos aprender sobre a vida, possuam outra forma de serem absorvidas a não ser por meio do sofrimento. Por este motivo, voltar-se para o sofrimento dos outros é uma maneira de olhar para si mesmo, e pavimentar o caminho para que nossa sociedade seja cada vez mais solidária e menos dividida, tornando a ascensão de aberrações políticas cada vez mais raras e visíveis àqueles que hoje acreditam que histórias são mais verdadeiras do que a verdade.


Frederico Lopes é Artista e gostaria de ser Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.


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With nearly 50 percent of the population still living in poverty, progress has not been fast enough. The World Bank.

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