Não Julgue a Capa Pelo Livro

Quantas vezes não ouvimos a expressão não julgue um livro pela capa, ainda hoje assinada como um provérbio chinês, que já ganhou várias adaptações e traduções pelo mundo afora. Entretanto, na possibilidade de uma divagação histórica, ela poderia ter sido criada na era moderna ocidental (romantismo), já que a preocupação com elementos ilustrativos e pictóricos em capas de livros é um fato recente que remonta ao início do século 19. Os livros no período clássico, tinham sua apresentação em couro, com no máximo, inscrições do nome do autor e título na lombada o que determinava A priori a necessidade do conhecimento prévio de seu conteúdo ou a curiosidade intelectual de explorá-lo.

Temos que ter em mente que a possibilidade da leitura neste período era restrita a uma elite burguesa ou religiosa que detinham o conhecimento necessário para decifrar os desenhos (letras) e suas combinações (palavras) culminando, num talvez atual, desnivelamento social grave daquela sociedade.

A história nos conta que a possibilidade de impressão das capas partir da utilização do papel rijo ou papelão foi um avanço que veio gradativamente ao longo do tempo. O pesquisador Gérard Genette, nos informa que umas das primeiras capas impressas foi a Ouvres Complétes de Voltarie, editado pela Baudoin em 1825. O fato é que desde então as capas têm se tornado um elemento de grande importância para a valorização, divulgação e comercialização do livro.

No girar da roda do tempo, a capa passa por transições que passa deter a necessidade de composições específicas, que exigem pesquisa e reflexões sobre sua execução. Os editores precisam estar atentos aos detalhes para explicitar a posição editorial de um a obra, levando em conta todos os fatores que implicarão à sua apresentação ao mercado literário. Tal preocupação ocorre a partir da necessidade de se pensar uma capa, com diferenciais para sair do lugar comum, seja em uma publicação simples ou até numa coleção, segundo Genette:

“Uma simples escolha de cor para o papel da capa pode indicar por si só, e com muito vigor, um tipo de livro. No início do século 20, as capas amarelas eram sinônimos de livros franceses licenciosos: “Lembro-me do ar escandalizado com que um clérigo interpelava, uma estrada de ferro britânica, uma de minhas amigas: ‘Senhora não sabe que Deus a vê enquanto lê esse livro amarelo!’ Essa significação maldita, indecente, é de fato a razão pela qual Aubrey Beardsley-1 chamara sua revista de The Yellow book (Genette, 2009, p.28).”

No editorial contemporâneo, a capa tem merecido uma pesquisa intensa por parte dos editores e designers, para que além das cores, ela detenha um significado que possa dialogar com os sentidos do público consumidor, para tal é necessário que se obtenha informações do autor, de sua bibliografia, de sua intenção com a obra. É necessário que se pesquise sobre as cores, imagens e caracteres que serão utilizados para despertar como, já dito, os sentidos do público consumidor. Na maioria das vezes, a produção de uma capa exige um estudo aprimorado, pois são diversos croquis previamente desenvolvidos pelo designer para se alcançar o objetivo primeiro de uma boa obra literária: o encantamento.

Infelizmente o que percebemos é que, em grande parte das vezes, as capas têm sido tratadas como elementos menores no universo editorial ou nem são levadas em conta enquanto ferramentas de marketing. Podemos ver exemplos grosseiros, como o de se utilizar tons escuros numa literatura infantil que sequer detém na sua temática qualquer alusão a categoria de uma história de suspense ou terror que pudesse justificar certa ousadia. Podemos perceber também uma total ausência de pesquisa e conhecimento da obra, principalmente quando se determina a utilização de uma imagem desconexa com o conteúdo literário pelo simples apelo pessoal e emocional do editor ou do próprio autor. O fato é que existe a implícita necessidade do conhecimento e das técnicas de designer para a construção de um elemento que não somente envolve o livro, mas tem que ser capaz de conquistar o leitor, para que ele tenha a vontade de pelo menos folhear suas páginas na busca de um conteúdo que possa até superar à apresentação.

Não julgue a capa pelo livro, pois tantas foram as histórias, as possibilidades escritas que se perderam pelo simples fato de não conseguir conquistar pelo olhar e, assim, fazer florescer a vontade de apreender, de se ter curiosidade e, enfim, chegar ao conhecimento. Talvez hoje possamos nos isentar, alegando que não mais nos preocuparemos, pois o mundo digital já começou e nele o papel, a impressão, não fará mais a diferença … talvez possam ter alguma razão, mesmo no universo digital a imagem ainda se faz muito presente, o que concerne a necessidade de se replicar, além do texto, sua referência primeira, a capa, elemento primaz da curiosidade humana.

Referências:
Genette, Gérard – Paratextos editoriais; Trad. Álvaro Faleiros: Ateliê Editorial, Cotia – SP, 2009.


Paulo Soares é graduado em Geografia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Especialista em Processos Estratégicos, Comunicação e Novas Tecnologias, pela Faculdade de Comunicação da UFJF e Mestre em Letras pelo CES/JF-PUC- Minas. Com ampla experiência prática, nas áreas de comunicação e artes visuais, com ênfase em fotografia. Suas atuais áreas de pesquisa, estão ligadas principalmente aos estudos dos processos de geração e concepção dos diversos elementos que possam vir a se constituir em objetos de memória.


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