A Amazônia e o Inferno de Dante

Na caótica condição humana de tornar farto aquilo que lhe aflige, percebemos se agigantar nossas mesquinharias e excentricidades. Enquanto criamos critérios para orientar a moralidade de nossos atos por vias religiosas, éticas e individualistas, neste exato momento, a Amazônia pega fogo.

Associar a pseudo-imagem infernal das labaredas consumindo cada recurso vivo como se não houvesse misericórdia ou caridade com aquilo que temos de mais precioso – nossa morada – desperta curiosidade acerca das concepções humanas do que de fato é este lugar de sofrimento: o inferno.

Em um dos maiores clássicos da literatura, podemos ter uma vaga noção do quão audaz é o sadismo e arrogância do homem e onde jaz o lastro de sua maldade.

Quando, no primeiro livro da Divina Comédia, Dante e Virgílio encontram a porta do inferno adornada pela inscrição: Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate – ou em tradução livre: Abandonai toda esperança, vós que entrastes, podemos perceber que a jornada pelos nove círculos do inferno nos apresentaria, em suma, com detalhes, a miserável condição humana.

Em termos de densidade demográfica, ao contrário da região amazônica, o inferno é o lugar onde há mais pessoas. Dentro de uma lógica onde a profundidade do inferno é acrescida da gravidade do pecado cometido pelo indivíduo, (naturalmente, na visão religiosa do autor), as piores práticas possíveis estão nos níveis mais profundos. Assim, entre círculos, vales, fossos, colinas e lagos, os castigos mais perversos são apresentados de acordo com o pecado cometido.

Mas você deve estar se perguntando, o que isso tem a ver com o incêndio na Amazônia?

Em meio à guerra cultural inventada, forjada e repercutida na internet por meio das redes sociais, a ignorância se tornou um critério objetivo para construir argumentos. Ademais de crenças políticas ou viézes ideológicos, neste momento, a Amazônia queima.

Estamos perdidos.

Enquanto o fogo e alastra pelas matas, estamos aqui, preocupados em alastrar nossas parcas visões de mundo e construindo uma cultura política intolerante, preconceituosa e adversativa. Discursos beligerantes desafiam até mesmo os mais serenos e esclarecidos, que antes contribuíam com complacência para a resolução de nossos empasses.

Do mesmo modo como Dante e Virgílio são surpreendidos às portas do inferno, diante da porta de entrada de nossas convicções, encontramos um terreno árido e hostil, onde a mesma frase antecipa a intensidade dos castigos desferidos sobre os pecadores, e assim como no inferno, a dor e o sofrimento aumentam à medida que nos aproximamos da possibilidade de dialogar pacificamente, de maneira amável e respeitosa. Por outro lado, ao contrário do Inferno profundo e frio de Dante, o grande capataz e algoz de nossas contravenções preserva o ululante discurso do contraditório.

Concorrendo com o Inferno de Dante, ao invés da fria escuridão do último circulo, na última esfera, onde encontram-se aqueles que, como Lúcifer, são traidores de seus mestres, em nossa mais alta oportunidade de ser e atuar politicamente, encontramos aqueles que nos governam deslegitimando a reação da vitima, relativizando os danos e as derrotas, e coletivizando a ignorância, a intolerância e o ódio velado.

E lá do alto, em cima do muro, diante da entrada do inferno, o brasileiro vê arder sob seus pés o futuro da mentalidade que cultivou, enquanto, neste exato momento, a Amazônia queima.


Frederico Lopes é Artista e gostaria de ser Escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.


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According to the institute, the number of fires detected in Brazil so far this year is 84 percent higher than in the comparable period last year; more than half of those are in the Amazon region. More than 1,300 new fires were added over the course of just two days this week.

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