Design Gráfico Brasileiro e os Cartazes Culturais dos Anos 60

Imagino que muitos leitores da Trama já devem saber que a década de 60 foi um período muito fértil para a arte brasileira, no geral. Vale lembrar que no âmbito internacional, foram nos anos 60 que os movimentos sociais, de contracultura e as rupturas do mundo artístico “moderno” atingiram seu auge. O modo de pensar e criar modernista começa a dar lugar para uma abordagem mais contemporânea, que viria a contemplar e valorizar a mistura e apropriações de linguagens (inclusive a moderna), bem como assimilar e fazer uso das inovações tecnológicas da época. E o Brasil não ficou para trás nesse processo.

Considerado um período de revolução cultural no país, a década de 60 nos proporcionou produções e experiências interessantes nos campos das artes visuais, cinema, música, teatro, dança, literatura, moda, e claro, no design. Juntamente com artistas visuais, designers foram responsáveis em “dar a cara” e determinar a linguagem visual de produções na música, teatro, cinema e de importantes movimentos musicais como a Tropicália, cujo principal designer/artista visual foi Rogério Duarte (sobre quem espero poder falar, em breve, aqui na Trama).

Os anos 60 foram muito ricos em acontecimentos no Brasil e no Mundo, tornando difícil a tarefa em tentar relatar e contextualizar tudo o que se passava. Porém falando sobre design gráfico brasileiro, comentar rapidamente sobre alguns dos trabalhos icônicos da época e que de alguma forma falam sobre o que se passava no período. Para tal me limitei a comentar sobre alguns cartazes culturais, cujo objetivo era divulgar espetáculos teatrais, filmes e exposições. Para essa escolha me apoiei na curadoria do livro Linha do tempo do design gráfico no Brasil de Chico Homem de Melo e Elaine Ramos, que inclusive recomendo a leitura.

No livro citado, o autor cita o cartaz da 6ª Bienal de São Paulo (1961), projetado por Luís Osvaldo Vanni, que abre a década com total irreverência. A limpeza e concisão modernistas, presentes nos cartazes das bienais anteriores, são deixadas “por meio da tematização da desordem escondida sob o parente sistema de ordem do padrão de retículas” (MELO, 2008, p.49). Homem de Melo comenta que é possível dizer que o cartaz antecipa o uso do ruído e da sujeira como recursos gráficos, fato que ganharia força nas décadas seguintes.

Em contraponto à desordem do cartaz de Vanni, a linguagem modernista ganha força no cartaz da bienal novamente em 1967. Projetado por Goebel Weyne para a 9ª Bienal de São Paulo, o cartaz demonstra um caráter altamente sistêmico, toda a composição gráfica foi cuidadosamente calculada, um ponto fora do lugar desestabilizaria toda a estrutura comunicativa desenvolvida no cartaz. 

6ª Bienal de São Paulo, 1961 Fonte: Linha do tempo do design gráfico no brasil, 2011
9ª Bienal de São Paulo, 1967 Fonte: Linha do tempo do design gráfico no brasil, 2011

Nesses dois exemplos já é possível perceber a riqueza cultural produzida nos anos 60, numa mesma década, dois cartazes produzidos para um mesmo evento – Bienal de São Paulo – admitem dois tipos de linguagem gráficas bem contrastantes entre si. O choque e a convergência das estruturas racionais modernistas e da complexidade instável contemporânea se tornam bastante comuns nos trabalhos de design gráfico, a partir de 1960.

O cinema nos trouxe mais exemplos dessa confluência de linguagens tão divergentes, apresentando cartazes com as mais diferentes soluções gráficas. Temos o cartaz do filme “Os Fuzis (1964)”, de Ziraldo, que além de mostrar o poder de seu traço, mostra como uma ilustração pode funcionar como design gráfico. Neste caso, sua ilustração “[…] estrutura a peça, cria impacto, estabelece uma relação magnética com o leitor, trabalha na escala do cartaz. Se pensarmos na presença da ilustração no design brasileiro, este cartaz é peça obrigatória.” (MELO, 2008, p.54). Ziraldo também foi capaz de encontrar outras soluções gráficas, que fugiam de seu estilo de ilustração tradicional. Um bom exemplo é o cartaz do filme “O assalto ao trem pagador (1962)”, onde o designer toma como referências os jornais populares sensacionalistas.

Os fuzis, 1964 Fonte: Linha do tempo do design gráfico no brasil, 2011
O assalto ao trem pagador, 1962 Fonte: Linha do tempo do design gráfico no brasil, 2011

Temos também o cartaz feito para o filme de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)”, cujo designer é Rogério Duarte. Talvez um dos cartazes mais emblemáticos já criados na história do design gráfico brasileiro, a peça gráfica faz uso de uma estrutura geométrica e racional, mas discute a complexidade e “trata-se de uma crítica ao design modernista feita por quem o conhece por dentro.” (MELO, 2008, p.51)

Deus e o diabo na terra do sol, 1964 Fonte: Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil, 2011

O psicodelismo vinha ganhando força nos anos 60, principalmente entre os jovens. Esse movimento influenciou fortemente o design gráfico e a publicidade da época e ele carrega a demanda pela complexidade advinda da chegada da televisão. O trabalho do designer Rogério Duarte para a Tropicália bebeu dessa fonte. Com o discurso da complexidade e fazendo uso de referências vindas da cultura de massa, da art pop e do psicodelismo, o trabalho de Duarte desenvolve universo de grande riqueza visual. Um dos resultados dessas referência aparece no cartaz para o filme Meteorango Kid – O Herói Intergalático (1969), de André Luiz Oliveira.

Meteorango Kid, 1969 Fonte: Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil, 2011

Infelizmente com a crescente e rica produção cultural no Brasil nos anos 60, veio também o recrudescimento das forças conservadoras sempre existentes no país, o que culminou no golpe militar de 64, manobra política que rompeu com boa parte do que melhor se produzia em cultura no país e que nos deixou máculas. Algumas que até hoje, principalmente em nosso contexto político, precisamos urgentemente superar!

Por hoje, paramos aqui, mas espero poder continuar discutindo design e gerando provocações para pensarmos o design de ontem e o de hoje enquanto meio de manifestação social, cultural, política e econômica.

Até mais!


 Gabriel Coutinho é um não designer, vira-lata, vivendo uma distopia.


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