Reminiscências: Danças Populares e o processo Civilizatório no Brasil

Texto criado originalmente para a exposição: Reminiscências: Danças Populares e o processo Civilizatório no Brasil, No Memorial da República Presidente Itamar Franco.

A máquina colonial estabelecida no Brasil, eufemizada sob o pretexto de processo civilizatório, categorizou o negro e o indígena como propriedade, selvagem e sem alma. Dentro da lógica do empreendimento colonial, a prosperidade econômica estava diretamente ligada ao aumento da demanda por mão de obra escrava. Por esse motivo, o negro se tornou peça valiosa para construção da economia brasileira, pois o tráfico era uma atividade extremamente rentável para portugueses, brasileiros e traficantes de outras nações, justamente por conta do aumento da atividade agrícola colonial, exigindo um maior número de escravizados.

Entretanto, muito além da perspectiva histórica que se debruça sobre a relação entre o continente africano e o americano, esta mostra pretende observar aspectos estruturais de tradições culturais brasileiras que surgiram a partir desse período, considerando o movimento de criação de bailados populares como um evento decorrente desse processo e que hoje faz parte do folclore nacional. Portanto, dentre as variadas particularidades da cultura popular brasileira, Reminiscências pretende lançar luz sobre as entrelinhas deste processo, revelando, na minúcia da criação das danças populares, a intenção do colonizador de catequizar e aculturar para dominar, enquanto, por outro lado, neste mesmo movimento, os negros e índios escravizados encontravam, nos arquétipos de sua cultura materna, a força de sua resistência.

Voltamos então nosso olhar para os cortejos de Congadas e Moçambiques durante a celebração das festas de Nossa Senhora do Rosário –  entendendo a manifestação como um documento performático da construção da identidade cultural nacional, buscando esclarecer o lugar que ocupa no tecido social brasileiro, bem como na história da República do Brasil. A partir deste lugar, podemos observar essas reminiscências do passado nos cortejos atuais, a ação do colonizador sobre o colonizado e seu revés, tendo em vista que a Cultura Negra no Atlântico fomentou sincretismos culturais, e, em alguns casos, africanizou o homem branco.

Percebendo como cicatrizes abertas, as celeumas herdadas desse processo, temos, ao longo das distintas temporalidades históricas, o processo civilizatório no Brasil estendendo suas lacunas até os dias atuais, alimentando movimentos sociais diversos e fomentando discussões políticas. Em sua atuação como Senador da República na década de 1980, Itamar Franco proferiu diversos discursos, compilados em “O Negro no Brasil Atual” (1980), sobre  questões relativas à situação do negro no Brasil, ressaltando a necessidade de reconhecer o importante papel do negro para a cultura nacional, além  de problematizar a ocupação periférica dessa parcela da população no planejamento de políticas públicas pelo Estado. Vale destacar sua preocupação constante com a área da cultura, especialmente em seu mandato como prefeito de Juiz de Fora na década de 1960, promovendo grandes festivais de música, cinema e incentivando manifestações culturais com identidade mineira. 

Celebrando a Semana Nacional de Museus, promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), com o tema: Museus como núcleos culturais: O Futuro das Tradições, o Memorial da República Presidente Itamar Franco reúne obras dos artistas: Cris Nery, Diana Landim, Enio Tavares, Lívia Monteiro, Gabriela Lemos, Marcelo Feijó, Marcos Languanje; além de esculturas do Museu de Cultura Popular do Fórum da Cultura da UFJF e indumentárias utilizadas nos cortejos, propondo descortinar as entrelinhas das narrativas da história colonial brasileira, revelando a beleza e resiliência de tradições culturais de matriz africana e indígena. Com esta mostra, entendemos que já estamos no futuro destas tradições, presos, no entanto, a problemas e discussões cuja origem está localizada na raiz de nossa fundação.

Fotografia por: Larissa Noé
Fotografia por: Larissa Noé
Fotografia por: Larissa Noé
Fotografia por: Larissa Noé
Fotografia por: Larissa Noé

Referências:

PEREIRA, Edimilson de Almeida; JÚNIOR, Robert Daibert. Depois, o Atlântico: modos de pensar, crer e narrar a diáspora africana. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010.

A Congada é do Mundo e da Raça Negra: Memórias da Escravidão e da Liberdade nas Festas de Congada e Moçambique de Piedade do Rio Grande – MG (1783 – 2015). Lívia Nascimento Monteiro. 2016.

ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore I: festas, bailados, mitos e lendas – 3ªed. – São Paulo: Martins Fontes, 2004. – (Coleção raízes)

A origem mítica das festas de Congada e as memórias da escravidão no tempo presente em Minas Gerais Lívia Nascimento Monteiro Doutoranda em História – UFF e Bolsista CNPq Membro do Grupo de Pesquisa CULTNA– Cultura Negra no Atlântico.


Frederico Lopes é Artista, educador. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.


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