13. Novela chamada Brasil

Entrei no boteco, cheio, conseguindo entrar desapercebido, porque havia uma discussão acalorada no balcão. Pedi uma cerveja gelada. Um dos clientes discutia com animosidade sobre a iminência de uma terceira guerra mundial. É impressionante como em um estabelecimento desses todos sabem o que acontece pelo mundo, com propriedade de quem estudou em Harvard o assunto ou de quem foi laureado com um PhD com louvores. E ai de quem disser que o outro não entende do assunto. Aí o clima esquenta e pode acontecer de uma verdadeira bomba atômica cair e não sobrar casco sobre casco, cerveja estupidamente gelada ou um chouriço implorando para ser comido dentro da estufa. Um cliente, barba amarfanhada, barriga saliente, blusa regata, discutia com um outro, engomadinho, bigode aparado, cabelo laqueado:

-Esse Trump tá certo, caralho. Tem mais é que colocar esse terrorista que morreu no seu devido lugar.

-Mas, cara, pensa bem, ele não colocou o cara no seu lugar, mas sim matou o general de um outro país, gerando ainda mais revolta. Ele não queria diminuir o risco? Pois acabou fazendo o contrário, aumentou o risco; o Irã está babando e querendo vingança.

-General merda nenhuma. Bolsonaro falou que esse filho da puta nem general era. Terrorista tem mais é que morrer mesmo. Eu apoio os Estados Unidos. Eles estão mais que certos.

-Bem típico mesmo, né? Violência gerando violência, turbulência atrás de turbulência. Não pode haver uma tentativa de se resolver as coisas na paz.

-Paz porra nenhuma, bicho. Pra se achar a paz é necessário a guerra.

Confesso que em meio a essa discussão a cerveja era a minha melhor companheira. Fiquei imaginando como fazer para que o cara de blusa regata mudasse de opinião. Era muito difícil. Quase impossível. Em meio a um país onde a maior fonte de informação é a de redes sociais, sem autoria muitas vezes, falsa e travestida de ironia e brincadeira, todos se acham trajados da mais absoluta certeza e veracidade dos fatos. Não há o que discutir. Isso é mera formalidade para passar o tempo enquanto se come um tira-gosto e se bebe uma cerveja gelada. É mera formalidade em qualquer canto do país, desde as cadeiras catedráticas de uma instituição educacional até na arquibancada de um estádio, ou num ponto de ônibus. Quando estava metido nessas reflexões, a coisa esquentou de vez. Parece que o cliente mauricinho deu a entender que o barrigudo era um jumento sem pai nem mãe. Aí aconteceu o que eu imaginei. Coitado do chouriço! No chão, pisoteado. Cerveja escorrendo na parede. Casco na testa de um, vidro quebrado no chão. A paz que vira guerra no balcão, microcosmo de um Brasil cindido. O que fazer? Tome algo bem forte. E espere o próximo capítulo.


Darlan Lula é doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Escritor, autor de cinco livros, entre prosa e poesia. www.darlanlula.com.br



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