A REDE OPRESSORA DE COSTUMES

Esses dias, estive pensando sobre a dificuldade observável de algumas (muitas) pessoas em aceitar as escolhas pessoais de outros indivíduos – inclusive daqueles com quem sequer compartilham o convívio social.. Cheguei à conclusão de que existe uma pretensa convicção de que os costumes estão suntuosamente dispostos em suas esferas do sagrado, sequestrando os verdadeiros objetos de crença. Explico.

Vou usar como exemplo uma pessoa que seja religiosa e leve de fato em consideração seu conjunto de crenças na tomada de decisões diariamente. Vamos supor que este indivíduo seja cristão, por exemplo. Membro de uma igreja neopentecostal famosa.

Nascido em um lar cristão, ao longo dos anos, vivendo sob a égide deste conjunto de dogmas e doutrinas (que a instituição religiosa entendeu como práticas espirituais verdadeiras e libertadoras), este indivíduo construiu uma estrutura de pensamento que se adaptou às restrições de sua vida religiosa a ponto de não enxergá-las como restrições. Além disso, suas noções de moral e ética foram forjadas dentro dos padrões mais elevados, de acordo com as crenças que sua igreja defende. Sendo assim, sua visão de mundo é constituída, majoritariamente, por essas noções.

Pois bem, no caso do cristianismo (por se tratar de uma crença compartilhada pela maioria dos indivíduos no Brasil e, portanto, comum ao conhecimento dos brasileiros), podemos afirmar que, sobretudo no protestantismo, o objeto central da crença é a pessoa de Jesus. Sendo assim, a busca, no âmbito da vida religiosa, se dá pelo acesso às características elementares de Cristo, descritas pelo texto bíblico.

No entanto, consultando o texto bíblico, podemos perceber que muitas práticas institucionais defendidas pelas igrejas não são sequer levantadas por Cristo nos relatos documentados. Então, de onde vieram?

Este breve raciocínio aponta para a questão levantada no começo do texto, objeto de reflexão neste momento. Diante de uma conjunto de regras criado pela instituição religiosa de modo a formar um conjunto de hábitos saudáveis para o exercício de uma vida religiosa dentro dos padrões concebidos, o crente moderno transferiu seus hábitos e costumes para o lugar onde deveria estar o seu objeto de crença: a esfera do sagrado. 

Ou seja, a crença em Cristo Jesus só se sustenta se houver o cumprimento irrestrito às regras estabelecidas pela Institucionalização da Fé. Apesar de o exemplo citado ser especificamente com a comunidade religiosa (o que não configura esse argumento como uma crítica específica), é possível observar que essa estrutura se repete rigorosamente em uma parcela da população que, ademais de suas predileções artísticas, estéticas, políticas ou religiosas, transferiram seus costumes e sua opinião para a esfera do sagrado, fazendo com que a entidade da verdade absoluta exista apenas ao redor do próprio umbigo. Sendo assim, me parece que a dificuldade de aceitar as decisões individuais consiste, basicamente, em não reconhecer os elementos sagrados de seus costumes na realidade do outro.

Por este motivo, existe, aparentemente, um entendimento de que se deve desconsiderar a experiência do outro e colonizá-lo com suas opiniões e hábitos. Para mim, este é o lugar onde reside a semente da alienação, de onde o olhar messiânico sobre o outro destrói a diversidade de possibilidades do que é exercer a vida.

Guilherme Melich: APREENSÃO DO NADA, 2010. Óleo sobre tela.

Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador e escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco e é fundador da Bodoque Artes e ofícios.



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