Convenção das Mimizentas

Quando saí da maternidade, fui enrolada em uma mantinha felpuda rosa. Era confortável mas ninguém me disse que a partir daquele momento aquela deveria ser minha cor favorita, porque remete à delicadeza e é como preciso ser, afinal de contas, sou menina.

Como toda criança, parte bem importante do meu desenvolvimento era brincar. E como eu tinha energia para gastar e curiosidade para explorar o mundo! Mas meus brinquedos eram quase sempre panelinhas, bonecas e mamadeiras e me diziam que essa era a forma apropriada de me divertir, pois sou menina.

Minha percepção sobre minha própria sexualidade não veio como um incentivo a vivê-la em plenitude e sim como algo que eu deveria reprimir e me preocupar porque isso certamente define meu valor como pessoa/mulher.

Toda a minha parte emocional foi altamente estimulada, o que foi imprescindível para que eu aprendendesse a sintetizar meus próprios sentimentos, mas ninguém me disse que eu seria julgada por expressá-los e explicitamente desautorizada a tomar decisões técnicas e racionais, porque todos sabem, sou louca, sou mulher.

Meu corpo sofreu diversas alterações ao longo da vida, muitas das quais refletindo o meu próprio estado interior. Lidei com desequilíbrios hormonais, perdi e ganhei peso, ganhei marcas e cicatrizes e por vários momentos o único cuidado ao qual me reservei foi existir. Mas ninguém aprovou e me aceitou por isso, porque eu tinha padrões impostos pela mídia de uma perfeição neurótica a qual deveria perseguir, afinal, sou mulher.

Estudei, me capacitei, venci desafios acadêmicos e aguentei pressões para ascender social e profissionalmente na vida, para me garantir a pequena satisfação dos bens materiais. E administro com responsabilidade e maestria minha vida financeira, garantindo assim meu sustento e independência. Porém sou tida como um fracasso, uma vez que não constituí uma família e nem tenho um homem ao meu lado, porque isso é que se espera de uma mulher.

Sou cobrada injustamente pelo dever de exercer a maternidade, pelos meus relacionamentos, pelo meu comportamento, pela minha liberdade, pela minha voz ecoando firme no ambiente, pela minha segurança. E quase sempre preciso reinvindicar o meu direito ser humana. Mas não pensem que vou ser vítima e me calar, afinal sou mulher, mas não sou frágil e nem a única.


Alícia Vito Capricorniana, meio adulta e preocupada com as causas sociais. Ama os animais, a escrita e cheirinho de incenso. Seu principal passatempo é fazer os amigos rirem e descobrir novos becos na cidade.



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