Minas é terra amolecida sobre o leito do planeta

Já foi de ferro. O subsolo, o interior das pessoas, a alma dos incautos. Mas foi  tomado, subtraído pela fleumática obsessão do homem sem futuro, sem alma, sem brilho nos olhos.

[o capitalismo estagnou nossa capacidade de enxergar além da superfície.]

Enfadados na lama, nós mineiros enterramos de vez nossa convicção de que o estado exploratório pode trazer algum benefício social. Em séculos de trabalho forçado, por vezes disfarçado em benefícios imediatos, isso nunca aconteceu – e nunca foi realmente prometido. Não que tenha sido diferente em outros pontos do Brasil, da América Latina ou das nações da periferia do capitalismo. Mas aqui as coisas estão desmoronando.

As montanhas foram embora e voltaram como televisores e computadores e passamos a ver nosso presente em versões quadradas e encenadas de nós mesmos. As falsas montanhas que foram colocadas no lugar desmoronam em lama tóxica que mata gente, mata bicho, mata rio, mata futuro. As tempestades amenizadas em eufêmicos termos científicos escondem brutais ciclones que vão fazer parte da rotina nos próximos anos. Não há mais avisos, apenas consequências.

Nossa alma, que é bruta, de ferro, de minério, de poder, ulula sábias canções dos antepassados para confortar nosso presente que precede um futuro difícil, catastrófico. Manter a sanidade em um ambiente que amolece sob nossos pés e cai sobre as cabeças parece não fazer diferença na sanha dos dias que correm vorazes engolindo toda a humanidade que nos restou. [a máquina não pode parar.]

E o homem padecerá. Em um arrebatamento ambiental que não se assemelha ao bíblico por ser desigual. Quando o tempo ficar escuro se saberá que a alma de ferro se reconstrói, mas o chão abaixo de nós continuará amolecendo. É preciso pensar outros futuros, sem os eufemismos fantasiosos, os falsos messias e o fascismo disfarçado de novo estágio político. [e como esses desgraçados enganam os ignorantes e dão voz aos canalhas.]

[gosto de imaginar um futuro onde a terra se abre e traga tudo que a destrói. nossos corpos decompostos expõe nosso interior de ferro e como um adubo mineral reconstrói todo o subsolo de nossas montanhas. sem o ser humano, só restaria o território firme que um dia já habitou por aqui.]


Pedro Carcereri é escritor, diretor, produtor e curador. Bacharel em Artes e Design e mestre em Artes, Cultura e Linguagens pela UFJF. Autor dos curtas “Modorra”, “Maria Cachoeira” e do romance “Sob o Trópico de Capricórnio”. Curador e crítico de arte, desenvolve exposições e pesquisas em diversas interfaces da arte contemporânea. Faz parte da seleção do Sesc Confluências – MG e é conselheiro de cultura de Juiz de Fora.



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