Territorialidade no contexto dos Guaranis, Kaiowã e Yanomamis no estado do Mato Grosoo e região amazônica

Esse ensaio é um esforço para desenvolver uma breve reflexão sobre a problemática que é a questão do território para os indigenas Guaranis e Kaiowãs no estado do Mato Grosso do Sul, fazendo um conraponto, com os Yanomanis na Amazônia, dentro do entendimento da disciplina de religiões ameridinas, ministrada pelo professor Dr. Maria Cecília Simões no Curso de Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora. 

O caminho trilhado através de uma leitura interessada e a apreciação do filme Martirio, buscou conhecimentos preliminares, mas que, devido à amplitude de informações decorrentes da complexa cosmologia e problemática envolvendo os territórios ameridinas estado do Mato Grosso do Sul e na região Amazonica, acabou se limitando em ser uma sutil reflexão baseada no artigo de VIETTA (2003) intitulado “Pastor dá conselho bom”: missões evangélicas e igrejas neopentecostais entre os Kaiowá e os Guarani em Mato Grosso do Sul; KOPENAWA (2015) com o livro A queda do Céu e no documentário, Martilio (2016). Não é intenção entrar na questão das Missões, e sim, me atear à problemática da territorriedade destes três grupos indigenas. 

2- DESENVOLVIMENTO

Os indiginas das tribos Guarani e Kaiowã ocupavam, antes, um território amplo, hoje, onde é o estado do Mato Grosso do Sul. A região estava situada entre o rio Apa, serra de Maracaju, rio Brilhante, rio Avinhema, rio Paraná, rio Iguatemi, e fronteira com o Paraguai. Essas tribos estavam em locais de mata fechada e perto de rios e corregos. Integravam essas tribos, grupos de uma, duas ou mais famílias extensas (parentela). Nessa configuração havia, inclusive, casamentos entre as parentelas. Há frente (no comando) das famílias estavam os mais velhos, chamados de tekoharuvicha (chefe da aldeia) ou ñanderu (nosso pai) que representava a figura de experiência e de capacidade de entender as demandas do seu grupo, com poderes políticos.

Em 1880, a Compahia Maté-Laranjeira adentrou no território. Apesar de não ter desalojado as comunidades, definitivamente, ela foi responsável pelo deslocamento de inúmeras famílias e, em alguns casos, de núcleos inteiros para a colheita da erva-mate. A compahia atraia os indigenas, pois podia pagar por este serviço a eles. Mais tarde, no final do século XIX, e início do século XX, chegaram às fazendas de gado, que também, tiveram pouco impacto na problemática da territoriedade, todavia, que se instalaram nos campos. As tribos, por sua vez, se concentravam nas matas. Porém, a mão-de-obra utilizada, foi novamente, dos indigenas.

Em 1910 e 1920 foi reconhecido para os Guaranis e Kaiowã, oito reservas de 18.124 hectares, dando incio ao confinamento dos diversos núcleos populacionais, que neste ponto, estavam dispersos por todo o território. Essas reservas tinham por função reunir todos os indigenas nestes epaços para começar a ocupação do território pelos não-indigenas. Em 1943, o presidente Getúlio Vargas, criou a Colônia Agricola Nacional de Dourados (Cand), com esse projeto milhares de colonos de várias regiões do Brasil partiram em busca de lotes de 30 hectares, num total de 300 hectares que seriam doados pelo governo dos territorios indigenas no estado do Mato Grosso do Sul. Após muita resistência, algumas parentelas conseguiram manter-se ali, depois de “ganharem” 60 hectares em Dourados.

Com a perda do território, muitos indigenas que não conseguiram terras morreram de tristeza e passaram a executar danças religiosas, a fim, de apressarem a destruição (fim) do mundo, fato que faz alusão aos escritos de Kopenawa (2014), no sentido que o Yanomani, profetiza uma queda do céu e o fim do mundo, a partir, do momento que os “brancos” acabarem com a natureza. 

No momento, em que os indigenas Guaranis e Kaiowãs se percebem desterritorializados, crescem as incidências de doenças, por causa, dos deslocamentos. O estado de desepero em que os indigenas abandonam suas tribos chama a atenção, e é descrito com casos reais no documentário Martirio, onde, é visto famílias inteiras acampadas nas rodovias, ou em qualquer local, em que estejam próximas de suas antigas tribos e perto de antigos cemitérios indigenas. Nesse sentido, esses grupos se tornam alvo de seguranças dos fazendeiros, que se organizam, a fim, de calar qualquer movimento de resistência indígena.

O referido documentário retrata a trajetória dos indígenas Guaranis e Kaiawãs na busca de seus territórios originais “Sagrados” e perdidos. Vicent Carreli, no documentário, registrou as várias fases dessa luta, que começou efetivamente organizada, a partir, dos anos 1980. O documentário mostra o desenrolar desta história, até os dias de hoje, trazendo casos reais de massacres físicos e cosmológicos dos povos destas tribos. O audiovisual, trás com ênfase, a história desses conflitos, desde a entrada dos produtores de erva-mate, até o evento que levou os indígenas para os confinamentos ou exílios (Cand).Também é retratada a questão da população inchada nos confinamentos, bem como os conflitos, entre os próprios indígenas, nesses locais. Esses indígenas confinados se viram sem liderança e sem um direcionamento para conduzirem seus rituais, da mesma forma, em que cada grupo os realizava em suas tribos.  A questão da religião é colocada em cheque nesses confinamentos. 

“A princípio, o ñanderu passou a ocupar uma posição secundária frente às questões de caráter político, mas também, vem se mostrando uma figura frágil na condução da esfera religiosa, na maioria das áreas ocupadas. Hoje, as rezas (ou rituais), que a princípio deveriam ser cotidianas, ocorrem com pouca freqüência, atraindo um pequeno número de pessoas, geralmente ligadas ao seu núcleo familiar”. (VIETTA, 2003, p, 112)

 Contudo, o tempo foi capaz de organizar os dois grupos a conduzirem de forma coletiva, ao mesmo tempo, que mantiveram características peculiares a cada grupo no que se refere aos rituais religiosos, conforme narrado e mostrado no documentário Martirio. 

Ele também retrata a pressão da bancada ruralista, no Congresso Nacional do Brasil, muito enfática, na luta para manutenção de suas fazendas (latifúndios), que estão localizadas, em antigos territórios, de grupos indígenas Guaranis e Kaiawã. Uma questão que se tornou política, fazendo surgir lideranças indígenas que, hoje, são ameaçadas, ou até mesmo, já assassinadas. Para inflar o discurso antidemarcação das terras, uma possível política de demarcação, que conferiria a povos, até então, considerados extintos, a possibilidade de reintegração de seus territórios, foi à causa, de uma considerável reação negativa da bancada ruralista e de grandes latifundiários. Neste contexto, os enfrentamentos se tornam cada dia, mais acirrados, trazendo morte e sofrimento aos indígenas. 

Já o livro A queda do Céu trouxe elementos do campo político e ideológico em seu entrelaço com a problemática indígena. A queda do Céu é um livro com tom de depoimento-profecia de Kopenawa. Ele que faz uma análise sobre as políticas públicas com relação à demarcação das terras indígenas, criticando, duramente à construção de uma hidrelétrica na bacia Amazônica, chamada de Belo Monte, por exemplo. Também, chama a atenção para a invasão dos garimpeiros e grileiros em terras Yanomamis.  Em 2014, Kopewava foi ameaçado de morte, por estar atuando como um dos denunciantes dos crimes na floresta Amazônica. Segundo ele, a luta contra a “grande corrida pelo ouro” entre 1975 até 1990, levou-o a uma dupla posição de xamã e diplomata, que assim, como as lideranças Guaranis e Kaiowã lutam para manterem e/ou retornarem a seus territórios de origem.   

3- CONCLUSÃO

O documentário retrata como a perda de território pode impactar na cosmologia indígena, tornando a existência algo insuportável, levando alguns, ao suicídio. Também destaco a resistência pela manutenção de sua cosmologia e a luta pela retomada dos seus territórios. A disciplina que se propõe, além, de outras coisas, tratar da relação dos indígenas com suas matas ou territórios. A questão dos espíritos, que guiam os xamãs, conforme temos visto no livro de Kopenawa, A queda do Céu, encontra similaridade com a luta dos Guaranis Kaiawã para manterem suas tradições vivas.  Tais leituras contribuíram com minha formação, no sentido, que trouxe para o debate, a questão do território como algo “Sagrado” para os indígenas. Outra reflexão é sobre os governos que se passaram, sem, em nada avançar na questão da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul, bem como na região Amazônica. Os últimos governos, ainda, que tivessem como ideologia a igualdade e preservação dos direitos dos povos originais do país, tímidas agendas foram levadas adiante.

Os índios, ao terem seus territórios descaracterizados e seus e rituais esvaziados, se tornam tristes e vazios. Percebemos que a tentativa de tornar esses indivíduos “brancos” tem sido desastrosa e tem causado tensões em várias partes do país. É preciso urgentemente construir políticas públicas que estejam em consonância desta realidade, em contraponto, ao poder dos grandes proprietários de terras. 

Sabemos, no entanto, que o atual governo não demostra nenhum interesse em tal esforço. Aliás, num sentido contrário, tem incentivado grupo de garimpeiros e pecuaristas a adentrarem, nas áreas já demarcadas, ampliando as plantações e os pastos para o gado. Tal problemática tem sido vista com muita indignação e preocupação por grande parte da população brasileira e ganha respaldo de organismos e organizações internacionais, além, de críticas por parte de governantes de outros países. 

4- REFERÊNCIAS

MARTIRIO, Direção de Luiz Bolognesi. 2016. (2h e 40 min)

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomani. São Paulo. Companhia das Letras, 2015

VIETTA, Katya. Pastor dá conselho bom”: missões evangélicas e igrejas neopentecostais entre os Kaiowá e os Guarani em Mato Grosso do Sul,  ano 3, n. 4, 109-135, abr. de 2003, Campo Grande. Tellu. Disponível em: <http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/article/view/57/67>. Acesso em: dez de 2019. 


Texto escrito por: Fávia Rabelo Beguini



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