Aquilo que não se diz

Existem estudos diversos sobre a percepção de mundo dos bebês, tal como o que é desenvolvido na Universidade de Birkbeck, em Londres. Uma das cientistas do projeto questionava: “meu bebê não compreende o que são roupas. Então será que ele achava que mudávamos de cor o tempo todo?”

Conduzidos pelo campo filosófico daquilo que induz à teoria, ou seja, a pré-teoria, desenvolveram-se inúmeros estudos sobre as formas de compreensão que o pequeno ser humaninho (para falar de bebês a gente fala no diminutivo, vai…) produz para entender e absorver a cena que encara. Destaca-se a ideia de que sua forma deriva do que chamarei, numa baita síntese de sentido, de liberdade cognitiva.

O bebê lê o que se passa ao seu redor sem as denominações rígidas dos objetos, por exemplo: um bebezinho (inho, inho, inho…) olha para uma parede ao mesmo tempo em que um adulto. Esse último lerá a cena e, se questionado, dirá: aquilo é uma parede. O bebê não. E talvez uma das partes mais interessantes seja que não há uma resposta sobre o que se constitui concretamente a interpretação da criança. Estamos falando de nenês (zinhos, zinhos, zinhos…), esses mesmos que, em seus primeiros anos de vida, têm mais de um milhão de novas conexões neurais sendo formadas a cada segundo.

Pois bem, se você leu até aqui provavelmente está feliz com a informação de que seu filho(a) — caso tenha um(a) — é um gênio por natureza. De fato, bebês enxergam o que nunca iremos ver e tudo aquilo que, em nossa memória, não foi passível de lembrança. 

Em análise bruta da história, percebi movimentações que tinham sede do mesmo campo que o bebê navega mentalmente – ou seja, o desejo de conhecimento pleno do que ainda não se disse, não foi nominado e não foi explorado. Um dos exemplos é o Movimento Beat, grupo de norte-americanos constituído sobretudo por escritores e poetas, que teve início em fins da década de 50 e início da década de 60. O objetivo do grupo era inconclusivo, uma vez que suas bases de questionamento se davam pela negação dos padrões daquilo que já havia sido escrito. Em linhas gerais, a geração Beat buscava o mundo ainda não dito, pela não-forma, pelo não-padrão, encontrando-se, com as devidas limitações, com o argumento remanescente do Existencialismo (século XIX-XX).

John Lennon e a própria fundação da banda com o nome “The Beatles” foi um dos principais símbolos palpáveis dessa tentativa de exploração ao mundo pré-teórico, além da grande influência de William S. Burroughs (um dos principais nomes do movimento) na composição de artistas como Jim Morrison.

Uma das ferramentas utilizadas de forma mais voraz para se alcançar o indizível eram as drogas, que os levavam a um estado de transe e consequentes delírios e visões do seu presente. Encarnados por essa idéia, construíram e desconstruíram paradigmas de seu tempo. No entanto, sabe-se que não há conclusão sólida de movimentos contracultura, pois sempre haverá um mundo a ser explorado. Mundo esse passível (ou não) à inteligibilidade humana, o que não quer dizer racional – mas sobre este último comentário, cabe a profissão ou não de fé de cada leitor.

Desenhei esse amplo mapa para chegarmos numa reflexão que se desdobrará a seguir. A filosofia aponta a pré-teoria como um campo nublado, como por exemplo o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que readapta o invisível no seguinte conceito/campo/esfera: a metafísica. A bíblia, por sua vez, trará uma explicação que é pertinente à existência humana e à existência deste próprio assunto (risos):

“Ele fez tudo apropriado ao seu tempo. Também colocou
no coração do homem o desejo profundo pela eternidade; (…)”
Eclesiastes 3:11.

A pré-teoria ou, lançando mão da denominação Kantiana, o metafísico, espelhado com o trecho de Eclesiastes, traz uma questão que pode ser o ponto de inquietação de todo movimento de contra cultura: o desejo de conhecer a vida não pelo sopro que é, mas todas as forças e engrenagens que a fazem ser possível nesse espaço de tempo que temos no Krónos.

Trata se uma reflexão existencial. Dos bebês a Kant, sabe-se que há uma matéria primária inerente e nominá-la, algumas vezes, se torna complexo; mas cabe destacar que, existindo engrenagens, existe um combustível, e eu ouso dizer que o combustível permanece sendo a reflexão crítica, o questionamento e as perguntas que lançamos sei lá eu a quem, ou a o quê. Mas peço apenas que, por favor, continue questionando.


Gyovana Machado é graduanda em História pela UFJF, formada no Seminário Teológico Rhema Brasil, líder de música em A Igreja.


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