LGBTs na Animação Infantil

Não me venha com o falso pudor de dizer que nunca viu um personagem LGBT por aí! Eles existem, aos montes. Na animação infantil, inclusive, eles são mais comuns do que você imagina. E, sem pretensão nenhuma, nem qualquer sombra de dúvida, posso dizer que nós os amamos mais que os demais.

Ao longo de anos, a população LGBTQIA+ vem se tornando vítima de seus próprios destinos, passando por um processo cultural abrupto a cada geração e a cada década em que sobreviveu e se fortaleceu. Mesmo com várias histórias tristes, cada um dessa população vem conseguindo seu espaço ao sol, através de uma luta histórica e contínua. Na atualidade, as orientações sexuais e identidades de gênero minoritárias se consolidam enquanto causas visíveis, mais que apenas estereótipos banalizados ou lutas silenciadas pelas mídias convencionais.

Os contextos em que os personagens LGBT+ são inseridos no audiovisual são diversos, e têm se tornado ainda mais. Essas identidades estão conquistando seu espaço em grandes e pequenas produções, reforçando a pluralidade da invenção dos roteiristas, argumentistas, diretores de arte, animadores, entre outros profissionais do cinema. E esses personagens desafiam uma estrutura, que por muitos anos apenas os trazia em posições narrativas secundárias, com uma morte iminente em seu caminho. Porém, as posições secundárias podem evoluir. Como? Claramente, personagens que são introduzidos aos poucos podem conquistar espaço em suas tramas com o tempo.

Identificação entre Espectadores e Personagens

Os personagens LGBT+ não possuem apenas a valia de entreter; seu papel é muito maior que isso. Eles geram representatividade. Trazem aos espectadores a possibilidade de identificação com os personagens. Esse fenômeno pode educar crianças heterossexuais e cisgêneras, que por meio dele, se identifica com outros traços de personalidade daquele personagem e aprende a respeitar a existência dos LGBT+. E mais importante que isso, o fenômeno da representatividade mostra à criança homo, bi, assexual e à criança transgênera que sua forma de existir é válida, através da identificação com o personagem em sua forma de ser. Ela vê, com drama ou humor, uma forma de se portar, de agir, que o personagem traz em si e que é semelhante a sua vida cotidiana, à sua vivência real.

Há anos, esses personagens também nos prestam outros serviços, frente a um “BUM” de informações e questionamentos. Como devemos tratar crianças homossexuais ou transgêneras? Como lidar com pais gays e filhos? – essas são algumas questões que, dentre muitas outras, afetam diretamente o bem estar e até mesmo a vida dessas crianças. As taxas e números comprovam: são milhares de crianças e adolescentes expulsos de casa, altas porcentagem desses – em especial, a população trans – em situações de prostituição ou de dificuldade extrema, e taxas de suicídio que existem neste meio por várias causas aglutinadas que advém destes temas mal resolvidos entre pais e filhos.

Como a representatividade pode ajudar? O esclarecimento é a salvação! E a representatividade mostra a todos os públicos – inclusive, aquele composto por pessoas que não compreendem, que são expostos a exemplos de vivências LGBT+ em um momento de diversão, a partir de um retrato composto com outras identidades na sociedade, e assim podem se educar. Essas representações, de alguma forma, consistem em um terremoto, que nos tira do habitual e monótono bem estar de conviver apenas com o que conhecemos e rejeitar o que é desviante.

Complexidades em se falar deste assunto

Hoje, o mundo animado, assim como cinema mundial, carece de bons trabalhos que representem as diferenças de orientação sexual e identidade de gênero de forma igualitária e ética, sem incorrer em estereotipificação ou fetichismo. Para isso ser feito, empresas e profissionais – independente de suas orientações sexuais ou identidades de gênero -, devem apoiar e assumir posturas menos mornas. Sabemos que pessoas LGBT+ podem muito mais do que seus estereótipos indicam. Portanto, se representarmos esses personagens de forma natural, introduzidas em cotidianos “normais”, teremos um avanço na aceitação da realidade já sendo plantado. O ser social não nasce com preconceitos; ele é moldado pela religião, por ideologias de ódio e, principalmente, pela falta de esclarecimento e o medo do desconhecido – e é isso que os desenhos animados vêm demonstrando. Devemos sair da casca de ovo em que somos colocados para podermos ver o mundo com suas cores, sabores e realidades. Pois somos todos responsáveis por nossas escolhas, incluindo o que escolhemos não ver e não aceitar.

Os personagens que têm sua sexualidade retratada em cotidianos de normalidade fazem com que o assunto seja assimilado de forma fluida e menos ruidosa tanto para quem não conhece, passando pelas pessoas que possuem pré-conceitos formados, até para pessoas que se identificam na sigla – além de proporcionar o primeiro contato e servir de ponto de partida para diálogos ao longo da educação desta criança. É nosso dever educar as próximas gerações para o respeito à população LGBT+, mesmo que não concordemos com a sexualidade em si (como acontecem em vários meios religiosos e culturais). Essa educação é dever e obrigação de todos e, além disso, é uma forma de se poupar vidas.

A importância destes personagens

Conseguir mudar o curso de uma história de uma pessoa LGBT+ que sofreria retaliações sociais por sua sexualidade, isso já seria o suficiente para delimitarmos importância vital da existência de representatividade. Mas, e se ainda pudermos fazer entender que a sexualidade das pessoas é parte essencial de suas personalidades? Que deve ser respeitada? Que não é doença, e portanto não é curável?

Não cabe ao outro dizer sobre a sexualidade alheia, se é ou não certo perante a qualquer outro ponto de vista. O amor deve ser respeitado, e esses personagens devem ser igualmente respeitados como provedores de entendimento e quebradores de tabus. Os personagens LGBT+ proporcionam uma nova forma de se olhar a dramaturgia infantil em ambientes animados. Fazem o papel de entreter e ensinar, seja de forma discreta ou explícita.

Lembrando que o primeiro passo é a quebra do estereótipo: não devemos assumir que personagens LGBT+ são necessariamente pervertidos, sádicos, doentes ou qualquer outro pejorativo passado ao longo dos anos a membros dessa comunidade. Em todo personagem – sejam eles protagonistas ou antagonistas -, encontraremos defeitos, qualidades e características relacionados às individualidades personalísticas, e que não devem ser associados à orientação ou identidade expressada por ele enquanto característica genérica.

Além de inserir novas formas de falar e contar sobre vivências, a representação gera um capital econômico. Com os personagens, temos produtos, e vendas que, por sua vez, são fruto da simpatia de públicos que não se viam representados até então. Isso nos mostra o quão importante são para vários setores incluindo o econômico.

Portanto, a representatividade gera muitas conversas e entendimentos para crianças e adultos. Gera lucros financeiros e emocionais aos que são agraciados pelas suas produções. E tendem a mudar a forma que o mundo é visto, compartilhado e vivido.

A seguir, alguns exemplos de representatividade positiva:

O curta de animação abaixo se chama In a Heartbeat. Nele, podemos ver que o amor entre dois meninos é mostrado de forma leve, espontânea e muito romântica, respeitando as barreiras de um amor puro e saudável. Além disso, ele coloca o romance entre os meninos no ambiente escolar, ressignificando essa vivência – visto que crianças LGBT+ sofrem sistematicamente com o bullying e o ostracismo social em sua fase escolar.

E a representatividade não se resume aos curtas. Séries como Gravity Falls, Family Guy e Rick and Morty também trazem personagens LGBT+. Um bom exemplo são os policiais que se amam em Gravity Falls e não se separam nem um minuto – mostrando às crianças de uma forma lúdica e divertida como relacionamentos homoafetivos podem ser bons e o quão normal isso é e deve ser para todos.

E como LGBT não é só sobre homens gays, as personagens lésbicas, bissexuais e transsexuais também não são deixadas de lado. Em Steven Universe, todas essas identidades são representadas e respeitadas por suas histórias de amor, desmistificando as vivências LGBT+ e mostrando, por sua vez, que toda forma de amor é bela.

E não para por aí! Os desenhos animados educam quando relatam acontecimentos verídicos e entretêm com informações que representam nosso mundo real.

Saindo do infantil e transcendendo as idades, o curta de animação ‘A Good Man’ fala sobre um personagem gay que é expulso de casa, uma realidade muito comum no meio LGBT+, e que é capaz de reunir seus irmãos numa vivência de amor e respeito em família mesmo frente a pais que não o aceitam.

Como profissional da animação, eu sempre apoiarei as mudanças para o bem de uma sociedade que necessita destas conversas e diálogos abertos, começando desde cedo com as crianças. A informação não aliena. Ela acaba com o preconceito. Ela liberta.

“Não ha nada de errado com você.
Mas há muitas coisas erradas no mundo em que você vive.”
Chris Colfer


Ezidras Farinazzo é professor, mestrando em Artes, Cultura e Linguagem na UFJF e Co-Founder do estúdio de animação El Torito Studios.


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