Editorial – Arte e posicionamento político

Dias atrás, recebi uma mensagem de uma seguidora dizendo que marcas não deviam se posicionar politicamente. Segundo ela, a admiração que fazia com que ela fizesse propaganda dos produtos artísticos de nossa instituição cultural arrefeceu após a abertura de espaço para o debate político. Segundo ela, posicionar-se implica em afastar “o outro lado”.

Pois bem, nesse sentido, acho que cabe uma resposta pública ao recorrente imbróglio, visto que já sofremos ataques anteriormente e, certamente, sofreremos muitos outros ainda.

Em primeiro lugar, não somos uma empresa ou uma marca. Somos uma Instituição Cultural. E em tempos de cólera, a Cultura, a arte e a classe intelectual se levantam para apontar as agruras da vida em sociedade através do pensamento crítico. 

Basta olhar, à luz da historia cultural, como se deram esses levantes, denunciando abusos políticos, fissuras sociais, os horrores da guerra e o messianismo barato de políticos que flertam descaradamente com ideologias nazifascistas. De Picasso a Banksy.

No ponto em que estamos no espectro político internacional, “o outro lado” demonstra desapreço pela vida humana e completo desrespeito com as instituições democráticas.

Por esse motivo, como estudiosos que somos por formação e por convicção, atuando como pesquisadores no âmbito acadêmico, sabemos bem como a história lembrará dos tempos em que vivemos. Mais do que isso, sabemos como surgem regimes autoritários e como se dão esses processos no âmbito social, político e econômico. Sendo assim, podemos dizer, com tranquilidade, que nos orgulhamos muito de apoiar iniciativas como a revista Trama que, através de seus autores, contribui para a qualificação do debate político através da produção de conhecimento. 

E só pra deixar bem claro, para que não haja qualquer margem para dúvidas ou interpretações dúbias: esse “o outro lado”, ao qual ela se referiu, insiste em banalizar a morte de mais de 35 mil brasileiros vitimados pela pandemia, deixando o cargo de ministro da Saúde em vacância por mais de 20 dias (lembrando: durante a maior crise sanitária da história recente da humanidade). Incentivando a quebra do distanciamento social (única medida comprovadamente eficaz contra a proliferação do vírus, adotada em TODOS os países que registraram casos). Recomendando o uso de medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente (inclusive, indo contra estudos que indicam efeitos colaterais que podem ser letais e orientações e diretrizes dos órgãos internacionais de saúde). Participando ativamente de manifestações antidemocráticas e supremacistas, provocando aglomerações. Avançando diariamente na redução da transparência das informações sobre a crise de saúde através da ocultação de dados e dificultando o acesso à informações oficiais sobre a pandemia no país.

Além disso, esse “outro lado”, ao qual ela se referiu, inunda as redes na internet com informações falsas e distorcidas, tendo como objetivo manter seu projeto de poder. Isso sem considerarmos o uso do aparelhamento da Policia Federal para interesses próprios e para proteção familiar. Nem a distribuição de cargos com orçamentos bilionários para figuras conhecidas como Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto, ambos condenados por corrupção. Nem a relação, publicamente conhecida, com milícias do RJ, diretamente relacionadas ao assassinato de Marielle Franco e Anderson. Nem o empregamento de funcionários fantasma desde os tempos de vereador. Nem o superfaturamento de notas fiscais ao longo de mais de 27 anos, enquanto ocupava o cargo de deputado. E sem considerar nem mesmo aquilo que é o principal para nós: o completo desprezo pela Cultura, pela Educação e pelo conhecimento.

Portanto, que fique claro: se existe uma rachadura no chão nos dividindo nesse sentido, ficamos felizes e seguimos com a consciência (e as mãos limpas) por “estarmos do lado de cá”. Afinal de contas, como diz o célebre texto de Dias Gomes: “Há um mínimo de dignidade que um homem não pode negociar. Nem mesmo em troca da liberdade. Nem mesmo em troca do sol”.


Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador e escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco, Museu de Arte Murilo Mendes e é fundador da Bodoque Artes e ofícios e da Revista Trama.


Galeria: Artistas para seguir na quarentena

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