Editorial – O ano que tramamos

Hoje acordei pensativo e distante. Eu sei que, para quem se dedica à atividades intelectuais e criativas, isso poderia ser considerado uma terça-feira… no entanto, devo dizer que hoje é por um motivo especial.

Há exatamente um ano atrás, eu estava lançando a primeira edição da revista Trama: Arte, Cultura e Criatividade, pela Bodoque. Para falar a verdade, talvez tenha sido o início mais despretensioso de todas as iniciativas que já realizei pelo atelier (hoje, instituição cultural). Me lembro como se fosse hoje, das motivações iniciais que me inquietaram e me impeliram a implementar esse projeto. Na ocasião, uma frustração crescente acompanhava a escalada dos ataques à cultura na esfera política, sobretudo no que diz respeito a governança nacional. Posso dizer, com tranquilidade, que apesar do desânimo à época, sempre acreditei na mobilização e na integração social para conquistar força e coesão na defesa de suas pautas. No meu caso, a defesa da Cultura e das Artes como campo do conhecimento. 

Essa motivação integradora sempre foi o combustível principal de minhas atividades. Desde o início de minha carreira como trabalhador da cultura, busquei encontrar caminhos para que essa mobilização encontrasse solo fértil para florescer. Por outro lado, devo dizer também que essa luta sempre me pareceu muito solitária, e que os esforços para unir os fios no campo das artes, aqui em Juiz de Fora, encontravam diversas barreiras. Confesso que, diante do ego artístico somado à dificuldade de alinhar objetivos em comum, o sonho de criar perspectivas mais solidárias e capazes de estabelecer estruturas mais colaborativas de trabalho, muitas vezes, me pareceu perda de tempo. 

Mas nessa caminhada, conheci muitos artistas, intelectuais e trabalhadores da cultura comprometidos com seus projetos, que se doaram para iniciativas coletivas propostas por suas próprias instituições, pela Bodoque, ou por outras instituições culturais públicas da cidade, como o Museu de Arte Murilo Mendes ou Memorial da República Presidente Itamar Franco. Além disso, em tantas outras iniciativas também tive a oportunidade de acompanhar como observador, ou de atuar como coadjuvante, emprestando minha força de trabalho em prol do beneficio comum e da valorização da Cultura, como os demais integrantes.

Embora muitas dessas empreitadas tivessem logrado êxito, ainda me sentia frustrado com a falta de estruturas e movimentos que pudessem efetivamente criar uma rotina colaborativa de ações artísticas em prol da valoração da arte e dos profissionais da cultura em caráter permanente. E é por isso que acordei pensativo e distante no dia de hoje. 

Passado um ano da primeira edição da revista que fundei os alicerces, fico impactado ao ver que uma construção suntuosa e imponente se ergueu. Não por minhas próprias mãos. Sua arquitetura só foi possível porque a proposta foi bem sucedida em sua missão de busca por integração. Logo, diferentemente das primeiras edições, (em que eu virava noites trabalhando para engajar artistas a cederem suas contribuições, editando, revisando, criando as artes e toda a identidade visual, bem como a questão técnica da plataforma digital), hoje, sete pessoas emprestam sua força de trabalho e suas identidades voluntariamente para a permanência do projeto, além de centenas de artistas, intelectuais e trabalhadores da cultura em geral que enviam suas contribuições para a revista fortalecer a revista. 

Assim, diferente da perspectiva caseira e provinciana das primeiras prospecções, hoje podemos fazer contatos institucionais com a autoridade de quem faz um trabalho de excelência, dando o máximo de seu potencial. E essa determinação e suor do trabalho, ela é observável na delicadeza e no cuidado de cada nova edição que vai ao ar. 

Hoje, com quase 500 contribuições disponíveis para consulta e pesquisa na plataforma da revista Trama, percebo que o meu sonho de integração nunca foi solitário. Percebo que nossa luta diária para proporcionar um espaço de diálogo acessível, democrático, inclusivo, representativo, e, sobretudo, comprometido com a defesa da importância da arte e da cultura, carrega muitas vitórias coletivas. Isso porque a arte e a cultura são sim responsáveis pela transformação de olhares, para a ascensão social e econômica e para construção de uma sociedade mais justa, mais digna, mais verdadeira e plural.

Agradeço com o coração cheio de alegria, meu irmão Henrique, o Kariston, à Carol Stabenow, o Pedro, a Carol Cadi, a Deborah e a Lorraine, por acreditarem na potência da revista e no cumprimento de sua missão através dos seus esforços de trabalho. Agradeço à minha esposa Poliana, por suportar os domingos em que estive e estarei ausente, comprometido com a empreitada. Quero agradecer a cada autor que se solidarizou com a nossa causa, e contribuiu pra construção do nosso acervo de edições. E agradeço a você leitor, que acolheu a Trama aos domingos como fonte de informação e conhecimento. É isso o que faz com que tenhamos a plena sensação de que estamos realmente fazendo alguma diferença através desse projeto, transformando vidas e olhares através da força da Cultura.

E por falar em mudança de olhar, gostaria de completar dizendo que eu também já não sou mais o mesmo. Estou 50 edições à frente de mim, porque, no ímpeto de transformar olhares através da Trama, quem teve o olhar transformado fui eu. 

Que tenhamos mais cinquenta anos tramando! Que sejamos grandes, fortes e unidos pelo amor à vida, às artes e à liberdade!

Viva a Trama viva de nossas vidas!


Frederico Lopes é Artista, educador, encadernador e escritor. Trabalha no Memorial da República Presidente Itamar Franco, Museu de Arte Murilo Mendes e é fundador da Bodoque Artes e ofícios e da Revista Trama.


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