Editorial – O Ataque ao livro no Brasil

A situação do livro no Brasil vivencia uma crise há algum tempo. A notícia da reoneração, anunciada pelo Ministério da Economia, contribui para o seu aprofundamento. Com a COVID-19, livrarias e editoras tiveram que fechar as portas e encerrar atividades de lançamento, eventos e divulgação. Essa notícia foi  a pá de terra que faltava. Inúmeras discussões foram e são travadas em decorrência da crise, mas o fato é que o livro no Brasil, para além da ideia romântica de leitor, tem passado por maus bocados. Está claro que a solução para o problema tampouco será entregar à competição do livre mercado, pois sabemos que não se trata de um artigo qualquer, e sua distribuição e venda impactam a economia, a educação e a cultura. Como relato pessoal, tenho que afirmar que devo tudo aos livros. Foi por meio deles que me formei, humana e profissionalmente. Por isso, ver o livro ser tratado como inimigo pelo atual governo é desalentador. As políticas de fomento à leitura e incentivo ao livro deveriam, principalmente num momento em que esse mercado se encontra fragilizado, ser mantidas, em prol de uma sociedade carente, desde sempre, de debate e reflexão. Mas sabemos que a taxação é muito mais do que uma questão tributária. Trata-se de um projeto que começa na ação sutil, mas não menos catastrófica, do aprofundamento da desigualdade no Brasil e vai até o controle estatal presente nas amarras ideológicas sobre o que as pessoas devem ler. 

Em notas, diversas entidades como a Câmara Brasileira do Livro, OAB, UBE, Sindicato Nacional dos Editores de Livros e Associação Nacional de Livrarias manifestaram o seu repúdio ao retrocesso político, e reforçaram a necessidade do acesso ao livro, iniciado com a desoneração do papel destinado à impressão, em 1946. Esse incentivo propiciou a instalação e manutenção das bibliotecas, redundando na isenção direta, com a CF de 1988. Mais tarde, em 2004, com a anulação do PIS/COFINS na venda de livros, o resultado foi uma diminuição de 33% no seu valor médio entre os anos de 2006 a 2011, com o consequente aumento de 90 milhões de exemplares a mais nas vendas desse período. 

Tais resultados mostram também que não há que somente defender a desoneração  do livro, mas lutar para que se estimulem projetos para a sua distribuição, no bojo de uma ação democrática ampla, onde o aumento das vendas seja consequência de uma melhoria social gerada por uma educação pública, universal e de qualidade. E, além disso, conscientizar a população de que a leitura como fator de desenvolvimento deve estar entre as prioridades de cada um.  

Mas, por que taxar os livros enquanto as grandes fortunas permanecem incólumes? É explicável pelo fato de serem elas que garantem o status quo onde vislumbramos o enorme fosso entre ricos e pobres, e o ataque ao livro pode ser um reflexo da desigualdade social, alto nível de analfabetismo e baixa escolaridade como projetos de governo no Brasil há séculos. Em estudo feito no início dos anos 2000, um levantamento do BNDES em parceria com o Instituto de Ciências Econômicas da UFRJ constatou que o preço médio do livro no Brasil já era à época bastante alto, em comparação com países como Japão, França e Reino Unido, e seu consumo per capita estava entre os menores. A ideia por trás desse projeto é que livro dá pensamento crítico, vislumbre da própria realidade e consequente transformação desta. Por isso se precisa de uma população subserviente e entregue aos desejos de avidez e ganância dos mais ricos em detrimento da dignidade. Então, não se pode facilitar o acesso aos livros. 

Na história vemos as ameaças ao livro como ameaças à condição humana: queima de livros pelos nazistas em 1933, inquisições, livros considerados malditos em várias épocas, censuras: isso já foi amplamente tratado. E embora essa repressão não o elimine, diminuirá a sua circulação e penetração nas camadas mais vulneráveis da sociedade, algo bastante danoso para as gerações futuras. Desestimula-se a produção de conteúdos mais variados, a diversidade de publicações e a ação de editores e profissionais do ramo será mais cautelosa com relação a certos títulos. O resultado é o empobrecimento da cadeia produtiva no que se refere ao debate e à disseminação de ideias e, a longo prazo, um prejuízo cultural inestimável. Por isso garantir o amplo acesso ao livro deve passar pela defesa de sua desoneração. Assim, faz-se necessário lutar contra a queima sutil, velada, que sufoca o desenvolvimento científico, cultural e estrutural de um país já com baixos índices de leitura. Onerar o livro é, então, atentar contra a construção de uma justiça que começa na oportunidade de acesso amplo ao conhecimento. 


Paulo Roberto de Almeida é livreiro. 



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