Festa de Casamento

Artista: Gabriel Uchida

Curadoria: Gabriel Bogossian

O mundo indigena, no Brasil, e enorme; embora estruturadas contra um passado comum de violencia e conquista, suas feicoes variam conforme o historico do contato de cada povo conosco, os outros. Os Surui, apesar de terem relatos narrando encontros com o mundo nao-indigena que remontam ao seculo XIX, foram ofcialmente contatados em 1969 por Francisco e Apoena Meirelles. Rondonia, entao territorio federal, se encontrava na rota do progresso, em meio a um intenso processo de colonizacao que faria sua populacao praticamente sextuplicar nos dez anos seguintes, periodo em que a terra indigena (TI) do povo foi repetidas vezes invadida.

Na primeira metade da decada de 1980, a implantacao do Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil levou a novas invasoes; a ma administracao dos recursos do programa e a falta de politicas publicas que garantissem a qualidade de vida do povo e a integridade do seu territorio fez com que, no fnal da decada, funcionarios da Funai estimulassem liderancas Surui a venda de madeira retirada da TI. Alem disso, a proximidade com a cidade e a acao da Funai fez com que um novo padrao alimentar, baseado em arroz, feijao e acucar, fosse introduzido nas aldeias, o que gerou uma nova forma de plantar e uma nova divisao do dia, com horas marcadas para atividades alimentares, de recreacao e de plantio. Trinta anos depois do contato ofcial, o mundo Surui ja tinha sofrido importantes e profundas transformacoes.

Os Surui se nomeiam Paiter, “gente de verdade, nos mesmos”. Hoje vivem em mais de 20 aldeias, distribuidas entre Mato Grosso e Rondonia, e tem marcante presenca nas universidades e nas cidades proximas a TI. Um de seus caciques, Almir Surui, e uma lideranca nacional importante no mundo indigena, com grande transito na politica internacional.

No dia 28 de setembro de 2019 – cinquenta anos depois do contato, portanto –, na aldeia Joaquim, em Rondonia, Pabab, sobrinho de Almir, se casou com Angelica. A cerimonia, evangelica, foi ofciada pelo pastor que semanalmente visita a aldeia. Como costuma acontecer nessas situacoes, foi uma grande festa: mais de 200 pessoas, bufe, decoracao.

O fotografo Gabriel Uchida, amigo de Pabab, frequenta a aldeia desde 2016, onde e recebido em casa por diferentes familias. Convidado para o casamento, Uchida ofereceu como presente um registro fotografco dos convidados. No dia da festa, ele prepara seu cenario – um fundo lilas claro, levemente amarrotado – e espera aqueles que queiram fazer uma foto.

Os retratos tem um minimo de direcao; cada um se posiciona e posa para a camera espontaneamente; como de costume, alguns tem mais desenvoltura, outros menos. Existe tambem alguma pressa, ja que e preciso aproveitar a luz do dia e contornar os chamados da festa. O resultado sao retratos positivamente simples, onde o tom informal revela com naturalidade a intimidade e a felicidade daquele momento.

Muito pouco foi produzido para a fotografa: somente o fundo contra o qual posam os retratados e os bilhetes com votos de felicidade escritos por alguns deles. Como se buscasse desfazer qualquer indicio de solenidade, em duas das imagens Uchida decide revelar o que esta alem do cenario: vemos um fragmento de mata, um pedaco do chao da aldeia. Existe, entremeado as roupas elegantes, aos sapatos e aos colares, um desejo consistente de nao produzir nem a fotografa classica de casamento, nem o habitual retrato do mundo indigena.

No que diz respeito ao dialogo afetivo, a serie foi bem sucedida: Pabab e Angelica adoraram o presente. No que concerne ao dialogo entre os mundos indigena e nao- indigena, tambem: afnal, a fotografa produz aqui um novo relato de um certo Brasil para nos, habitantes distantes da fronteira onde o contato e cotidiana e radicalmente vivido – e assim, descortinando outro bocado do presente, confere mais acuidade ao exercicio interminavel de continuar a imaginar o futuro.


Gabriel Uchida tem 33 anos, e natural de Valinhos/SP e se formou em Jornalismo na Universidade Catolica de Santos. Apos morar, trabalhar, expor e publicar em dezenas de paises, o fotografo retorna ao Brasil em 2016. Contudo, a volta se da direto a Amazonia, onde Uchida passa a viver desde entao. Constantemente viajando por varios Estados do norte, mas com base em Porto Velho, Rondonia, o artista encara entao uma nova fase – focado apenas na tematica indigena, com uma linguagem menos jornalistica e mais contemporanea, somadas a um tom de ativismo.



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