Sobre Política e Dedos

Lima Barreto (1881-1922) que me desculpe, mas serei obrigado a meter o dedo em sua famosa descrição do comportamento político dos habitantes da República da Bruzundanga. Na verdade, parece-me que, nesse nobre país, a política se faz com os dedos. Tudo começa com o indicador. É por meio dele, é claro, que o eleitor contemporâneo põe em prática uma nobre e complexa operação: digitar os números de seu candidato na urna eletrônica, para logo em seguida apertar o botão verde da esperança. Um verde que, nas pandêmicas crises de daltonismo que eventualmente os acometem, mais se parece “cor de rosa”. É também com o indicador que o político bruzundanguense expressa seu autoritarismo, indica cargos e escolhe alianças necessárias para colocar tudo na palma de sua mão.

O polegar, por sua vez, expressa toda a sua cordialidade: é o responsável por aquele clássico tinindo que sela os pactos políticos e ratifica o famoso e cafajeste “Talkey! Deixa comigo!”. O dedo mindinho, o mais fútil, inútil e soberbo de todos, para eles é sinônimo de trabalho. Candidato que não o possui boa coisa não é: só pode ser va-ga-bun-do!

E ai de quem posiciona, simultaneamente, o indicador na vertical e o polegar na horizontal! Cidadão de bem de verdade trata de usar o indicador na horizontal e o polegar na vertical.

Os dedos bruzundanguenses se comunicam como quaisquer outros. Infelizmente, só lhes falta aprender a escolher. Um dia, talvez, farão jus à expressão “escolher a dedos”. Enquanto isso, com as mãos batendo uma contra a outra, um contingente aplaude e reza para tudo dar certo, enquanto outros, estarrecidos, acuados e mascarados, lavam suas mãos, mantendo-as escondidas dentro dos bolsos. Não poderia esquecer, é claro, dos pequenos polegares revolucionários, que, com a tecnologia “touch screen”, mitam com textões publicados em suas “timelines”, à espera de outros polegares frenéticos, com seus “likes” ou “curtidas”.

É sabido por todos que a capacidade de fazer pinça com o polegar e o indicador é uma das habilidades mais nobres que o ser humano desenvolveu, por meio da qual conseguiu produzir, trabalhar e dar forma a todo aparato civilizatório existente na humanidade. Uma habilidade também bastante útil, a bem da verdade, para as “mãos leves” contabilizarem o “cobre” da corrupção. Depois de muito se falar em combate à corrupção, a política anda muito cheia de dedos naquelas terras. Aquele “dedo de prosa” descontraído não existe mais. A Academia dos Bruzundanguenses, reunindo os mais sóbrios indivíduos daquele país, desenvolveu uma habilidade mais evoluída na escala civilizatória: além da pinça, uniu as pontas do indicador e do polegar fraternalmente, de modo a formar a clássica e libertadora circunferência, mais ou menos regular, que os possibilita economizar palavras, neurônios e saliva numa discussão. Uma forma sofisticada de não jogar pérolas aos porcos.


Sérgio Augusto Vicente é bacharel, licenciado, mestre e doutorando em História pela UFJF. Dedica-se ao estudo da história social da cultura no Brasil, abrangendo temas como trajetórias individuais e de grupos, sociabilidades, associativismo, história intelectual, história social da literatura, acervos documental e bibliográfico, patrimônio cultural, memória e educação. Professor de História e historiador. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora – MG).




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