PARTE II – O Silêncio entre músicas

Nos passos e contra passos, o silêncio retorna com alguma voz à medida em que, com ele, vem a expectativa de uma nova proposta, uma nova mensagem, um novo estilo e performance. Como dito na primeira parte desta reflexão: há sempre uma expectativa nos intervalos. Cabe, então, a constante pergunta: o que nos mantém esperando e/ou esperançando?

Acredito que a resposta, longe de se cristalizar no 8 ou 80, pode ser expressa por duas razões gerais: não sabemos o que vem; sabemos o que há de vir. E é sobre esses dois aspectos que finalizaremos essa proposta de escrita e reflexão sobre o instante que não pode ser tipificado, mas que possibilita uma breve narrativa dos sentidos que provoca. Esse texto se contenta em ser uma narrativa.

Saber o que está por vir não se traduz como uma ausência de novidade; afinal, a narrativa estabelecida no silêncio é, inevitavelmente, marcada por expectativas a partir de uma condição específica chamada experiência. A forma com que experimentamos algo – e cabe destacar que não digo de um tipo de consumo submetido as relações líquidas da contemporaneidade -, raramente se repetirá; parafraseando Heráclito, não se passa duas vezes no mesmo rio. Mesmo sabendo o que está por vir, experimentaremos aquele fragmento de forma diferente a cada vez que escutarmos – afinal, nada de se apresenta em totalidade e plenitude na primeira vez que temos contato.

Existem benefícios em não saber o que vem. Essa ingenuidade, estabelecida após o fim do que se conhecia, nos ajuda a administrar os esforços para o exercício do esperançar e, nesse sentido, atribuo a palavra à reflexão de Freire sobre ela – ou seja, o esperançar como uma ação, onde se constroi algo e se aplica um determinado tipo de força. Procuro, com isso, indicar que a condição de ignorância sobre o que vem não deve ser traduzida como um momento de inércia; pelo contrário, é um momento onde, internamente, estamos buscando formas de receber o desconhecido. Se a música finaliza, por ruptura ou não, buscaremos no e com o silêncio, formas inteligíveis de receber o que está por vir e, assim, dançaremos com o mistério – não por conhecer a sua letra, mas por sermos embalados no seu ritmo. Os pés retornam a balançar.

Saber ou não saber não pode ser o elemento determinante de nossas reações, até porque lidar com o inesperado é uma chamada cada vez mais pertinente no atual século. Lembro quando fiz um exercício reflexivo no primeiro semestre de História: me perguntaram o motivo de ter escolhido o curso, e eu respondi que gostaria de compreender o passado, melhorar minha atuação no presente e ajudar na previsão do futuro, evitando os erros já cometidos. Me desculpo, pois estava crua, em realidade. As breves linhas em que me justifiquei dizem de uma adolescente com a esperança de que o conhecimento controlaria as ações e reações, culminando num mundo melhor. Meses depois, me deparei com o movimento negacionista no passado (e também no presente). A história não se repete, pois os atores literais não são os mesmos; ela não controla o tempo, pois o seu interesse é o homem dentro desse; ela é imanência sem previsão de fim. A música e a história dividem o apelo do silêncio como um breve espaço de potência para o ensaio de uma vida melhor.

"Outra vírgula na vida
Outro ponto pra reescrever
Tudo igual: repete, muda
Tudo é o que não veio a ser

O fim é o começo
Início, um novo fim
Um velho recomeço
Tudo é o que não veio a ser"

Fim - Legrand/Composição: Diego Neves.

Gyovana Machado é Cristã, graduanda em História pela UFJF e formada no Seminário Teológico Rhema Brasil. 



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