[Arredores] Arte e Minorias na Política, com Tallia Sobral

A política municipal, sabemos, é sobre muito mais do que asfaltar ruas, colocar policiamento nos bairros ou melhorar o transporte público. Ela é, principalmente, sobre pensar as condições de vida da população local, considerando suas identidades, sua diversidade de contextos e suas formas de expressão – ou seja, pensar também na arte e na cultura, e trazer projetos que busquem preservar a história única de nossa cidade e fortaleçam as multiplicidades que constroem o nosso presente. Para isso, a atuação dos vereadores que escolhemos para a Câmara Municipal é essencial.

A corrida pelos assentos na Câmara de Juiz de Fora começou há duas semanas, apresentando candidates com os mais diversos projetos para a nossa cidade; e alguns se destacam aos olhos de quem está envolvido com a Cultura – entre eles, a professora, capoeirista e musicista Tallia Sobral, que vem apresentando debates contundentes sobre a cultura e as vivências minoritárias.

Essa semana, a Trama conversou com a Tallia sobre a importância de existirem vozes das minorias e que falem em nome das artes dentro da estrutura institucional do governo. Rola pra baixo pra conferir a entrevista!

Tallia Sobral, em ensaio fotográfico para a campanha de 2020.

Trama: Você é professora e musicista de formação. O que te fez ter o impulso de se iniciar na carreira política?

Tallia: Nossas ações cotidianas são políticas, constroem relações e pensamentos. Através da cultura e da escola, consegui perceber a necessidade de estar em espaços coletivos e ter uma militância organizada. E agora, a partir do cenário que vivemos, ocupar o espaço institucional é uma ação necessária termos um ponto de apoio e levar as nossas pautas pra câmara.

T: Enquanto mulher bissexual, como você percebe a importância de a nossas vozes estarem representadas nos cargos políticos? E você está otimista por uma melhora na situação de pessoas como nós dentro de um viés político?

TS: Estamos cansadas de termos nossas vozes e nossos corpos silenciados. Levar nossas pautas é ocupar mais um espaço de luta e resistência. Percebo que as pessoas querem fazer mudança de alguma forma. Construir um caminho político pra fortalecer um novo horizonte é minha fonte de esperança.

T:  O que é o feminismo pra você? E como você enxerga o seu feminismo aplicado na sua atuação enquanto vereadora, caso você seja eleita?

TS: O feminismo existe como uma resposta ao machismo e ao patriarcado que por muitos anos vem nos oprimindo. A realidade da mulher do nosso país é muito difícil, e em JF não é diferente; somos as mulheres que trabalham o dia todo, pegam ônibus lotado, cuidam da casa e dos filhos, passam aperto no fim do mês e ainda sofrem inúmeras violências pelo fato de serem mulheres. A câmara tem obrigação de resguardar a vida dessas mulheres e garantir seus direitos garantidos; e, nesse sentido, vou atuar como vereadora.

T: As artes são uma parte muito importante da sua vida e experiência enquanto capoeirista e musicista. Como você percebe que elas contribuem para moldar uma sociedade mais justa e livre de preconceitos?

TS: A arte está em tudo e ela nos pertence. Nossa cultura se apresenta nos espaços em que compartilhamos nossas formas de existir; e, a partir dela, criamos um diálogo com quem a recebe, seja qualquer forma que ela manifesta. Esse diálogo exige uma subjetividade, uma sensibilidade pra entender melhor a mensagem. Exercitar esse diálogo é permitir que uma nova forma de perceber o mundo seja experimentada e, com isso, a abertura pra toda nossa diversidade.

T: A capoeira, mais do que uma arte, é uma ferramenta de reivindicação histórica e identitária de diversos grupos minoritários – em especial, as pessoas negras, descendentes da população escravizada. Como você percebe a prática da capoeira na sua vida pessoal, enquanto mulher bi e branca? Ela funciona também como essa ferramenta? E como você percebe a função social da capoeira?

TS: Sou suspeita pra falar da capoeira! Ela está na maior parte do meu tempo de vida e é transformadora. Ela é minha lente pra enxergar o mundo; e através dela, eu consigo perceber e colocar em prática o que não é saudável, justo, e pensar que a sociedade pode e deve ser diferente.

T:  Em 2018, você se candidatou pelo mesmo partido ao qual está filiada para as eleições municipais deste ano, junto à “Frente Socialista”. No que consiste o socialismo que você e, por conseguinte, a sua candidatura, defendem?

TS: A palavra “socialismo” vem sendo atacada por muitos anos, justamente por ela trazer em si a ideia que o social se sobreponha. Atualmente, nós sobrevivemos em um sistema que é muito cruel e que faz a gente a naturalizar essas injustiças. Como pensar que, enquanto uma pessoa morre de fome, alguém tem bilhões acumulados em sua conta, fruto do trabalho desses que morrem de fome? É uma lógica dos ricos.

Mas e se todos ganhassem pelo seu próprio trabalho, sem ser pelas suas posses, heranças. Será que essas injustiças seriam tão latentes? Acredito que não. É nessa sociedade mais igualitária e justa que acredito.

T: Quais são as coisas que você deseja fortalecer e inibir em Juiz de Fora enquanto vereadora? Como você percebe que a sua atuação no cargo de vereadora pode impactar o cenário juizforano ligado às pautas que você traz? 

TS: Quero fortalecer o que nos fortalece, o que é coletivo, o que é nosso. Quero que JF seja uma cidade que valorize seus movimentos, que valorize seus trabalhadores e pare dar palco pra quem vive de explorar a gente. Quero que as mulheres, as LGBTQI+, as negras e negros, a juventude, possam ter sua vida e seu futuro garantido.
A luta do nosso povo existe independente da câmara, e levar a nossa voz lá pra dentro pode ser mais um instrumento de fortalecimento. Quem preferir estar contra o nosso povo, não tem meu apoio.

T:  A Letra B da sigla é, com certeza, uma das mais invisibilizadas – e cada vez mais vem sofrendo com esse ‘não lugar’ de vivência, ao ser negada pelos LGBT+ quando pensada na passabilidade hétero-homo, ao ser negada pela comunidade hétero enquanto expressão desviante, e considerada enquanto uma expressão excludente até mesmo dentro dos nossos pares (que optam por outras nomenclaturas). Para você, tanto na vida pessoal quanto enquanto pessoa pública: qual é o peso trazido pelo ato de se dizer ‘bissexual’?

TS: A sexualidade é um tabu e é muito difícil de ser conversada e assumida. Você estar fora da heteronormatividade já te coloca fora do padrão imposto e já transforma você em uma pessoa pior, diante dos olhos da sociedade – destacando que somos sempre ensinados a enxergar as coisas em um padrão e a entender que o que é diferente é pior.
Quando a gente se reconhece em uma sexualidade que aparentemente cabe, em partes, dentro dessa normativa, faz as pessoas entenderem que estamos no meio do caminho, que somos confusos. Infelizmente, uma lógica dicotômica. Assumir a bissexualidade traz sempre um medo de não sermos reconhecidas por lado nenhum. Isso tem uma tendência a sermos mais fechadas, depressivas, acharmos que estamos mais erradas que todos.

A militância, o afeto, o amor é o que ajuda a gente se localizar melhor, é o que me “salva” nesse sentido.

T:  Qual pergunta você gostaria que eu tivesse feito e não fiz? E qual a resposta para ela?

TS: Não sei se teria uma pergunta específica, esse momento é de muito desafio e coragem. Cada passo, cada mão dada é um respiro. Vocês estão me dando mais uma possibilidade de avançar nesse processo. Obrigada!

Mas uma pergunta que poderia ter é, Tallia, qual seu número de candidata? (risos)

 

Acompanhe os debates da Tallia através das redes sociais! @tallia_sobral no Instagram.


Sobre a Entrevistadora:

Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama, Social Media na Peregrina Digital e escritora nas horas vagas.



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