Ponte que caiu!

Homenagem póstuma à ponte de Sobragy

No início, eram duas margens de terra
Cortadas por um rio
Depois, com o barulho do trem
irradiando as fagulhas do progresso pelo mar de montanhas das Minas Gerais,
quiseram transpor aquelas águas.
Estávamos sedentos de modernidade.
Queríamos encurtar a busca de novidades na estação.
Sabe aquele novo jornal da capital?
Sim! É verdade!
Tenho que buscar aquela carta trazida pelo vapor!
Mas como transpor aquelas águas?
Não tínhamos asas para sobrevoá-las como pássaros.
Se bem que, se asas não temos,
inteligência não nos falta para inventá-las!
É verdade!
Vem aí o grande invento do brasileiro Santos Dumont!
Afinal de contas, é tempo de uma tal de bela época, Belle Époque, dizem os franceses, né?!
Belle Époque que nada, sô!
Nóis tinha memo que rachar estrada de a pé,
pisando descarço em chão de terra esburacada e
matando cobra com o carcanhar pelo caminho.
Desconfiado!
Sim!
Mineiro é desconfiado!
Desconfiadíssimo!
Cê doido de atravessar aquele rio a nado!
Caminho rápido nem sempre é caminho fácil...
O jeito é buscar o trajeto mais longo para chegar ao arraiá.
Depois de muitas idas e vindas debaixo de sol e chuva, por caminhos longos e tortuosos,
uma estrangeira chegou encantando a todos e todas.
Dizem que ela veio de um lugar “abacana” que só vendo,
chamado “Glasgow”, lá na Escócia.
Isso mesmo!
Só sei que aquele amontoado de ferros,
que, no início, só servia para nos atravessar por caminhos mais curtos (santa modernidade!),
foi conquistando um lugar em nossos corações...
Obrigado, Divino Espírito Santo!
Só você para nos trazer este presente!
Lá do alto da montanha, Ele nos abençoa de sua capelinha!
Essa não há de se “esborrachar” na água
como outrora ocorreu com a antiga ponte de Bom Sucesso!
E, assim, passaram-se 114 anos!
Mais de um século de pé,
aliás, esticada sobre as águas,
como uma velha bailarina,
esguia e elegante,
que nunca parou de dançar e
desafiar as leis da gravidade.
Que gravidade!
Pena que nessas terras ninguém vivo há para nos contar
como foi a sua inauguração...
Ela viveu o centenário da Independência do Brasil!
Cê veja bem, sô!
É... Não parece,
mas tudo nessa vida
pe-
       re-
               ce...
Antes de completar o segundo tempo da partida, ela ruiu!
Afogou-se nas águas do Paraibuna!
Desabou antes de ver os duzentos anos de independência que batem em nossa porta.
Ela – como o Brasil – sucumbiu a tantos desgostos.
Divino Espírito Santo que me desculpe, mas vai aí um desabafo:
Ponte que caiu!
Assim como a ponte,
não estamos mais inteiros.
O abandono nos mutilou pela metade...
Será que um dia inteiros voltaremos ser?
Será que um dia reerguida a veremos?
Talvez...
Mas, para que isso aconteça,
antes de inteira vê-la,
há que nos fazermos inteiros novamente...
Nova mente! Mente nova!
Nova mente!
Que as promessas mentirosas não nos sejam travessias.
Que a sua restauração nos encha de alegria.
Que as promessas não sejam vazias.
Que a “velha” nos volte a servir um dia...
Para que, no banquete da esperança,
ela nos combata a ânsia
de um passado comum perder.
Tirar a ferrugem é preciso.
Retalhos de ferro enferrujados,
atados por pingos de solda,
não hão de ter liga!
Se liga!
Ponte para o futuro sim!
Mas cuidado!
Sem pontes para o passado,
perigosas pinguelas para o futuro!

Sérgio Augusto Vicente é bacharel, licenciado, mestre e doutorando em História pela UFJF. Dedica-se ao estudo da história social da cultura no Brasil, abrangendo temas como trajetórias individuais e de grupos, sociabilidades, associativismo, história intelectual, história social da literatura, acervos documental e bibliográfico, patrimônio cultural, memória e educação. Professor de História e historiador. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora – MG).




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