[Arredores] O Rap na cidade, com Set

Na cena musical de Juiz de Fora, o Rap é com certeza um dos braços mais quentes. Sempre com produções novas cheias de rima e beat, que trazem as realidades periféricas, a cena do Rap é responsável por unir gente de todos os bairros em torno do som.

Atualmente, um dos exemplares mais conhecidos no meio é o Set. Estudante de Jornalismo, o rapaz de apenas 22 anos já conta com um álbum, quatro singles lançados e um clipe novinho em folha pra comprovar que dá pra fazer música independente em Juiz de Fora.

Essa semana, a Trama conversou com o Set sobre a cena do Rap em Juiz de Fora e sobre seus projetos musicais. Rola pra baixo pra conferir a entrevista!

Set em apresentação.

Trama: Como você começou na música? O que te estimulou a compor e a cantar?

Set: Eu sempre tive muito contato com música, cresci com a minha mãe escutando muita música, especialmente músicas brasileiras de amor. Mais tarde, eu tive contato com música gringa, nos DVDs de Hip Hop, quando começaram a chegar aqui – até com a Beyoncé -, comecei a curtir, mas ainda gostava muito dos sons mais românticos, e não conhecia o rap com outra pegada. Já quando eu fui fazer o meu primeiro som, já escutava muito Emicida, Racionais, já tinha mais consciência sobre a realidade que eu estava inserido, e isso fez toda a diferença na hora que eu escolhi ser artista. Antes mesmo de escrever meu primeiro som, eu já sabia que eu ia ser artista, que era isso que eu queria – e eu já escrevia poesia, sem ser muito ritmado, assim, e não escrevia sobre muita coisa conceitual, era mais objetivo.

Depois, entrei na faculdade de jornalismo, em 2016, acabou que eu caí na sala do Everton Beatmaker, que já era um cara ímpar na cidade de produção do rap e outros gêneros, já tinha um nome, já trampava com os melhores, e eu falei muito com ele sobre querer fazer música. E aí ele foi me ajudando, me apresentando pro RT Mallone, pro Brackes, por exemplo, e eu quis fazer parte daquilo. Daí eu peguei meu primeiro beat com ele, e consegui escrever uma música, que só transbordou de mim, que era um momento que eu estava passando. A partir daí, eu escrevi algumas músicas românticas, que falam de amor, mas não necessariamente de um jeito bom, uma coisa mais crua, de sentimento humano, que às vezes não é só bonito – e elas vieram a ser do meu primeiro álbum, o Invernia, que veio logo depois do ‘Me Diz’, meu primeiro single.

T: Com 22 anos, você já tem um álbum lançado, mais quatro singles, e todo o seu trabalho é permeado por parcerias com uma galera que já é bem forte na cena do Rap de JF – como o RT Mallone, por exemplo, e o Beatmaker. Como você percebe a sua própria evolução de carreira dentro da cena da cidade, nesse processo de criar laços e parcerias, e vir desde lá o seu primeiro single em 2017, pra chegar agora em 2020 com o clipe de ‘Ela Sabe’, que é uma parceria tão forte?

S: Eu tenho até dificuldade de separar o lado de carreira dos laços, assim – a minha arte é tão pessoal que eu só faço música com quem é de fé, com quem é meu amigo, que entende que existe isso dentro de mim que é “ou eu faço arte ou não faço nada”, e que a gente se sente pleno fazendo isso. As primeiras vezes que eu vi o RT no palco, foi igual ver o Kendrick Lamar, assim; e aí fui conhecendo essa galera, o Brackes, o Sagate, e conversando com eles, me entendendo com eles, e foram eles que me disseram que era possível fazer música aqui, fazer algo diferente e novo. E eles me dão muitos conselhos até hoje.

E sobre carreira, lançamentos, e tal, eu acho até que poderia ter evoluído até melhor, porque eu tenho muita música pronta, tenho muito material, mas tenho que ter paciência na divulgação, e planejar melhor mesmo. Mas acho que a carreira tem fluido bem, melhor agora que eu tô estruturado e com um norte mais bem delimitado. E ano que vem, acho que se tudo voltar ao normal, eu volto com tudo também; tenho muita coisa minha pra revisitar, a própria ‘Ela Sabe’, que o clipe foi gravado há um ano, e o som tem dois anos já, e eu tinha muita dificuldade técnica e orçamentária pra fazer – então a gente mesmo gravou o clipe com celular, e foi difícil para editar, passou no Sirius, depois no João Paulo Brum, e ele que deu toda essa estética final urbana, mas crua, que tem a ver com o Trap Underground, e tal. Mas a gente só conseguiu soltar o clipe um ano depois de gravado.

T: A maioria da galera do rap aqui de JF tem raízes muito demarcadas na periferia da cidade, e falam muito dos seus próprios bairros. No seu caso, você não costuma abordar muito as suas origens nesse sentido. Como foi, e é, pra você, a questão de entrar em um meio musical que em geral traz esse traço de territorialização como força, sem trabalhar essas questões?

S: Essa pergunta me faz refletir muito sobre a minha maturidade musical, mesmo. Eu moro no Vitorino, sempre morei aqui, nascido e criado, e o RT, por exemplo, sempre morou no São Benedito, perto de mim, sempre tive amigos no Linhares e tal, e aquilo das músicas [terem essa demarcação] sempre esteve muito presente pra mim, mas eu não conseguia trazer isso para as letras. Para mim, falar de amor era fácil, só saia de mim, e por muito tempo eu sentia que eu só conseguia falar de amor – e eu cheguei até a conversar disso com os meus produtores, o Everton também, e concluí que era uma questão de maturidade artística, assim.

E aí, acabou que eu comecei a escrever uns sons mais nessa pegada, assim, que lancei um em primeiro de janeiro de 2018, que é o “Pra Começar Bem”, que fala da eleição presidencial, e no primeiro de janeiro do ano passado lancei “O Homem no Meu Funeral”, que fala do meu bairro. Mas para mim foi uma questão de conseguir entender melhor e canalizar em forma de música, e ver como eles [os outros amigos rappers] faziam, e aí quando o amor deixou de ser uma questão tão urgente pra mim, eu comecei a conseguir escrever sobre a periferia, as situações que os moleque aqui passam.

T:  Você comentou sobre as dificuldades de orçamento pra fazer as coisas: gravar música, gravar clipe, divulgar o trabalho; e tenho certeza que a maior parte da galera do Rap vai concordar contigo nesse ponto. Qual você percebe que é a origem desse problema na cena do rap de JF?

S: É difícil rastrear essa origem. Vira e mexe, a gente debate esses problemas da cena musical daqui que precisa mudar. Mas eu acredito que isso tenha a ver com pouco investimento no setor cultural daqui – hoje em dia eu vejo a FUNALFA se mobilizando bem mais, coisa que eu não via muito dois anos atrás, e isso é importante demais pro Rap.

E eu não sei se é a raiz do problema, mas o investimento público em cultura é importante demais. No momento atual do nosso país, parece até piada a gente falar disso né, mas é isso. Pô, eu quero fazer show em teatro, sabe? E não tem um edital aberto pra isso. E além disso, tem também a questão privada, do comportamento das casas de show na hora de chamar os artistas, que prioriza os artistas externos e gasta uma grana pra fazer show dessa galera, que vem do Rio, de SP, de BH, enquanto a gente daqui fica como secundário. E eu queria ver esse mesmo nível de investimento com a galera daqui, porque a galera daqui tem o mesmo talento da galera de fora.

T: Esse investimento mais massivo em artistas de fora te faz pensar em ir pra outras cidades? Como você percebe a questão de produzir arte em JF?

S: Eu tenho pensado muito sobre o cuidado dessas coisas que vêm prontas pra gente. Às vezes, pra um artista aqui de JF, de uma zona periférica, ir pra São Paulo parece a grande meta; e eu já pensei isso, também. Mas hoje em dia, eu não tenho essa ânsia. Eu tô me localizando mais. Primeiramente, a minha música é pra tocar pessoas, e pra fazer companhia, e eu acho que isso tem que começar a acontecer aqui na minha rua, no meu bairro, na minha cidade, pra conquistar o mundo. Esse é o jeito que eu trato música, com carinho, de levar as coisas pra cada lugar.

A ideia de ir pra fora, pra algum grande centro, me atrai no sentido de que show gira mais lá, o capital é melhor, o senso de oportunidade é maior, né? Porque JF ainda não é metrópole. Mas eu acredito que quando a minha música não couber mais aqui, ela vai chegar em São Paulo. Por enquanto, eu ainda tenho muita coisa pra fazer aqui. Quero ir, claro, conhecer, fazer parceria, mas trazer coisa pra cá, trazer ideias, projetos pra cá, e eu não quero me distanciar das minhas raízes também.

A questão de produzir arte independente aqui é difícil, primeiramente porque a gente já é muito injetado pelas culturas de fora, mas também por conta da propagação de formação; a cena musical daqui é muito nova ainda, e os cara tão fazendo acontecer agora, o ápice tá sendo agora, com as galera fazendo som de alto nível.

T:  Quais foram as suas inspirações mais diretas para o clipe de ‘Ela Sabe’?

S: De inspiração visual, eu arrisco dizer que tem muita influência do Atlanta, alguns enquadramentos me lembram muito o Hiro Murai e como ele filma o cotidiano, e a gente fez esse clipe num rolê que a gente dava de verdade – não foi set de gravação ou locais pensados -, e a gente só resolveu filmar um dia desses. E aí, na questão da estética, o JP Brum soube dar essa sujada na imagem, pra passar essa ideia mais urbana. Mas o clipe foi gravado num perrengue, com dois celulares, e as imagens tiveram que passar por um tratamento mais pesado.

No fim das contas, o clipe saiu muito bonito, com uma estética urbana, noite street, assim, e foi uma surpresa linda.

T: A escolha pelo Bahamas 24h para o clipe foi muito bem pensada no sentido de que é um local de rolê mesmo da galera, e que vocês conseguiram trazer pra dentro do clipe como um elemento tanto de pertencimento à cidade quanto transformá-lo em algo cosmopolita através da estética e do som que imprimiram nesse cenário. Tendo isso em vista, como você pensa que as produções locais podem popularizar e aumentar o alcance da produção de Juiz de Fora a longo prazo?

S: Eu penso que a gente precisa criar uma estética nossa, local, e importar o mínimo possível num sentido um tanto modernista mesmo, de pegar um tanto, saber aproveitar o que dá e jogar o resto fora. Porque a gente mora aqui, a gente não mora na gringa, a gente não mora na metrópole. Então por mais que o Rap chegue aqui já como um gênero importado, porque veio dos EUA, eu acredito que a gente tem que saber criar a nossa própria estética – e eu ando indo atrás disso, não de trazer pronto, mas de descobrir mesmo, e vejo muita gente daqui fazendo o mesmo, e retratar a nossa cidade (em vez de um cenário, ou um carro que a gente não tem, ou uma casa que a gente não mora) é uma forma de deixar a cidade expandir a nossa arte. É uma coisa que faz o público daqui se sentir representado, e não uma coisa poética de querer representar uma vida que aqui não tem. É nisso que a produção de JF precisa mirar pra gente ser grande, assim. E é isso o que eu quero fazer.

T:  Desde a época da Pantera Cor de Rosa, da MC Xuxu, filmado no Parque Halfeld, que fica claro para mim esse impacto de pensar os lugares do nosso cotidiano enquanto lugar de arte, até pra que as pessoas entendam que é possível fazer arte na cidade. Nessa perspectiva, o que você diria pra alguém que está começando agora na arte e se sente orfão de apoio e de espaço para produzir aqui na cidade?

S: Eu diria “bem vindo à luta” (risos). Porque é isso, a gente também se sente orfão de apoio e espaço, e se alguém começa agora, e passa a frequentar os espaços, vai ver que tá todo mundo procurando apoio, patrocínio, e descolar uma gravação em estúdio. E é difícil, nem todo mundo consegue. Mas pra não desmotivar, assim, também, eu acho que a música encontra muito as pessoas, e a gente vai formando laços. E isso é uma das melhores coisas, independente do sucesso econômico. Com certeza a música vai te unir com pessoas que você nunca imaginou, que vão te ensinar coisas incríveis, e vai te colocar num espaço de pertencer, porque a galera aqui sabe muito o que quer para a cena daqui, como um negócio autênticos e que também alimente a gente. É colar com as pessoas certas, que fazem a arte por motivos bons, pra entrar nesse ambiente.

T:  Você comentou, lá no início, que tem muito essa coisa de escrever sobre amor, que é um tema fácil pra você – e realmente, ele tá em boa parte das suas músicas. Mas outro tema bem recorrente nas suas letras é a questão da ostentação, em que você fala de marcas, de estilo, de consumo – e que é um tema recorrente no rap. Queria que você comentasse um pouquinho sobre essa questão e como essa temática se encaixa na cultura do rap mesmo enquanto ponto de fortalecimento, identificação, etc.

S: Essas letras, pra mim, são como um vislumbre de futuro, um futuro em que eu posso comprar as coisas, essas marcas que são de qualidade e tal. Essas músicas pensam em um modelo de sucesso, e eu vejo que, pra mim, isso me injeta e me molda de algumas formas. Mas eu querer ter um cordão de ouro, e uma roupa da hora, e um Air Jordan, por exemplo, vem muito da formação identitária do rap, que vem dos Estados Unidos; e eu falo como participante dessa cultura, também. Mas revisitando essas músicas, eu vejo elas de uma forma um pouco diferente – porque não tem problema você falar de marca, de luxo, e tal, mas isso não pode ser vendido como a felicidade plena, entende? Eu tomo cuidado e tenho mais essa consciência agora de tentar não vender muito esse ideal de felicidade baseado nesse lifestyle.

Em ‘Ela Sabe’, é uma letra mais descontraída, mais de festa, e é essa a vibe que me bate pra escrever letras que tenham essa abordagem. Então eu não levo muito como uma coisa poética ou educativa, nem com uma ideia de literacia.

T: Você comentou agora sobre essa questão da escrita poética, ou com literacia, e isso me remeteu muito à sua experiência no jornalismo e com a escrita de forma geral. Como é, pra você, trabalhar esses dois mundos – a escrita poética/literática e o rap -, que tantas vezes são vistos como opostos?

S: Esses mundos, pra mim, eles se separam como eu separo o que é mecânico e o que é emocional. Trabalhar a escrita de uma matéria jornalística, pra mim, é algo mais mecânico, que eu preencho uma fórmula de texto; e eu sempre escrevi nesse sentido, de escrever crítica de cinema, que foi o meu primeiro rolê de pensar a arte. E literatura me inspira muito, vira e mexe eu trabalho diretamente uma palavra; mas escrever poesia, pra mim, é bem mais emocional. Porque quando eu tô precisando escrever algo mais íntimo, vem em forma de poesia, em forma de música, os versos melodizados.

T: Na própria FACOM, foi onde você conheceu o Beatmaker, e de lá saíram outros nomes da música de JF também, e até do nicho específico do rap – como o J.Vito, com quem você tem uma parceria, e a Marcella, que não é exatamente do rap mas com quem você também já fez parceria. Como você entende essa relação entre o espaço da FACOM e a música de Juiz de Fora, tendo essa perspectiva de alguém que observa isso de dentro?

S: Realmente a FACOM é um ambiente que atrai uma galera da música, né? Até outros tipos de música, mesmo, galera do Rock também. Mas no rap, por exemplo, o J. Vito foi meu veterano, que me guiou no início, me deu dicas de escrita, de mostrar letras pra ele em intervalo de aula. E vendo de dentro, eu sinto que a FACOM traz muita liberdade pra gente falar de coisas próprias em determinada parte do curso, e nessa época, pra mim, foi quando eu pude usar pra aflorar o meu sentido artístico. Eu entrei na faculdade pensando “sobre o que eu vou escrever”, e a minha decisão já era escrever sobre a arte – mas calhou que eu passei a escrever a arte em si, mas acho que tem a ver com essa relação com a escrita e de ter uma certa sensibilidade nisso.

T: Você já comentou que tem muita coisa pronta, guardada, pra sair. O que vem por aí primeiro?

S: Então, eu resolvi revisitar algumas coisas na minha arte, assim, como ‘O Homem no Meu Funeral’, por exemplo. E vai ter clipe dela, vou gravar esse ano ainda. E, assim, eu vou lançar um curta documental de uns dias que eu passei na Bahia – e eu tenho um EP que chama ‘Coisas da Vida’, que eu escrevi ele em Salvador, que tem essa pegada bem brasileira mesmo, e que coincidiu de eu ter a oportunidade de ir em um outro lugar da Bahia e gravar umas imagens, e aí vai sair o curta.

E falando de música, primeiro de janeiro eu tô aí de novo, vou vir com uma reflexão sobre esse ano de pandemia, pensando do por quê disso tudo estar acontecendo, vindo de uma lógica minha de fé – e vai chamar ‘Pandemônio’. E pra deixar um gostinho, eu tenho o meu segundo album de estúdio, que vai vir um álbum colaborativo com o Brackes Mallone, BRK, que chama “Complexo Guache”, que trata de uma perspectiva de melhora diante da depressão, e trabalhando com a ideia das cores, tá bem bonito – e as coisas estão bem encaminhadas já, por isso que tô falando delas.

E fora isso, tem outras coisas que já tem o instrumental gravado, e já tem um conceito e a letra pensada, mas que faltam algumas etapas ainda.

T:  Qual pergunta você gostaria que eu tivesse feito e não fiz? E qual a resposta para ela?

S: Acho que nem tem uma pergunta, mas queria deixar pra galera que eu vou continuar aqui, fazendo muita música, pra galera não esperar coisas parecidas, que eu tenho a ideia de fazer outros sons, funk, dancehall, reggae, e outras coisas que eu já tenho pensada aí, flertar com muitos gêneros, porque eu posso fazer tudo, música é vastidão. E eu espero que a minha consiga tocar muita gente, de verdade.

 

Assista ao clipe de ‘Ela Sabe’:


Sobre a Entrevistadora:

Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama, Social Media na Peregrina Digital e escritora nas horas vagas.



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