Estéreo – Capítulo 6

Os dias passavam devagar. Geralmente, os dias passam devagar quando há ansiedade dentro de mim. Especialmente quando ela diz respeito a coisas que não posso dizer ou fazer. E isso se acumula de uma maneira em que começa a corroer meu ser.

Fico nervosa quando não há a possibilidade de eu descobrir que caminho seguir, ou quando não tenho a menor ideia do que vai acontecer em seguida.

E, nesse universo adolescente, existia a oportunidade de descobertas que podem auxiliar ou não essa ansiedade. Foi quando tive meu primeiro contato com a maconha.

Ana fumava esporadicamente e, em um dia, perguntou se eu queria experimentar.

Nunca fui influenciável, nem nunca fiz nada que não tivesse vontade – até os dias atuais permaneço assim. Porém, sempre tinha tido a curiosidade de saber como funcionava essa droga – apesar de, também, não considerar como uma verdadeira droga, por ser algo natural e não tão sinteticamente modificado.

Fiz minhas pesquisas nos computadores pagos da Lan House e, com plena certeza de que estava decidida sobre o que gostaria de fazer: aceitei. Aceitei por mim e para mim. E Ana me mostrou o caminho da melhor forma.

Saímos para o intervalo (novamente ele) e nos escondemos em uma rua vazia que ficava no alto de um morro, ao lado do colégio; só a vista da cidade sob nossos pés e nós duas. Lá, ela me apresentou a essa outra parte da vida que estava começando no meu mundo.

Não tenho intenção de ser moralista ou apoiadora, mas tendo em vista que eu havia pesquisado não existir mortes decorrentes de seu fumo, eu usei com a consciência tranquila.

Foi engraçado; afinal, nunca tinha fumado por detestar o cheiro de cigarro. Então me faltava capacidade de saber como conduzir a fumaça e todo o processo. Ana teve paciência: ria de mim e comigo, sem cobranças, apenas deixando a situação acontecer.

– Espera. Acho que você não vai conseguir saber direito como funciona sem fumar direito. – Ela pegou o beck da minha mão após várias tentativas falhas de tragar.

– Então vai ser impossível, porque não vou fumar. – Eu estava me sentindo confortável com ela ali.

– Não vai e nem eu, porque não gosto de cigarro, você sabe que eu não fumo. – Ela inspirou e me encarou por alguns segundos. – Deixa eu tentar algo.

Ela fumou, segurou a fumaça dentro da boca, se aproximou de mim e vagarosamente encostou seus lábios nos meus, entreabertos. E eu, tomada por um reflexo, a segui. A fumaça passou dela para mim enquanto sua mão segurava meu rosto delicadamente.

A minha vontade era de beijá-la, mas não o fiz.

– Segura e engole. – Ela se afastou um pouco e ordenou com a voz baixa e me olhando nos olhos.

Eu comecei a tossir. Ela começou a rir.

– Pronto, deu por hoje. – Ela apagou o beck e fez com que levantássemos para retornar. – Dizem que quando há tosse, há eficácia.

E de fato houve. Um pouco.

Voltamos para o colégio munidas de biscoitos e, discretamente, devoramos os pacotes no fundo da sala para matar a fome originada da brincadeira.

Foi algo que me acalmou e me trouxe um momento de tranquilidade, que há muito eu não sentia. Se fazia necessário em mim.

Ficamos sentadas, lado a lado, nas carteiras colegiais, cada uma apreciando seu instante, sem falar nada ou fazer nada.

Antigamente, existiam aparelhos de músicas externos aos celulares, que comportavam algumas canções e eram pequenos, tendo como levá-los para todos os lugares. Coloquei meu fone de ouvido, fingindo prestar atenção ao professor; liguei o reprodutor no modo aleatório e deixei a playlist tocar.

Ana se levantou para ir ao banheiro – não precisávamos pedir permissão – e eu acompanhei com os olhos, gravando seu movimento gracioso ao contornar as fileiras de gente fazendo ou fingindo fazer anotações em seus cadernos, sem percebê-la passar.

“Vem cá”.

Após alguns poucos minutos, ela me encaminhou uma mensagem de texto. Ainda fora de sala, eu achei que poderia ter acontecido algum mal-estar, com o qual ela precisasse de ajuda.

Despretensiosamente, me dirigi ao sanitário, bati na porta – era um banheiro único, separado entre meninos e meninas – e ela abriu, rindo da minha cara confusa.

– Aconteceu alguma coisa?

Eu entrei, ainda sem entender o que estava acontecendo. Ela fechou a porta.

Ela me colocou contra a parede.

Ela me beijou.

Foi totalmente inesperado.

Mas, dessa vez, eu não estava tão assustada quanto da primeira. Retribui da minha melhor forma.

Foi “o” beijo.

Enquanto nossas bocas conversavam, nossos corpos se abraçavam e se apertavam, se aproximando ao máximo dentro daquele banheiro.

Ela me pressionava contra a parede, eu a trazia ainda mais para mim.

Com uma mão percorrendo meu pescoço, ela seguiu até meu cabelo e o puxou, fazendo com que eu elevasse um pouquinho o rosto, e deu uma leve mordida em meu lábio inferior.

Pegou o outro fone que estava pendurado sob meu ombro – sem cessar o beijo – e o colocou em seu ouvido, escutando simultaneamente a mesma música que eu. Adele cantava, numa trilha sonora inesquecível, fazendo o beijo perdurar por longos minutos.

Ela passou sua mão por dentro de minha blusa, vagarosamente arranhando minhas costas. Eu arrepiei inteira.

Até se afastar, sorrir um sorriso maldoso, morder de leve seu próprio lábio inferior e balançar a cabeça acenando para sairmos dali, em silêncio.

Ela fez minha calmaria voltar a ser tempestade. E eu precisava realmente deixar a tempestade acontecer.

E precisava deixar a tempestade acontecer com nós duas na chuva para se molhar.


Barbara Pippa é nascida em Juiz de Fora, participante em antologias de poemas e contos. Acredita em astrologia e muda o cabelo de acordo com o humor.



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