[Arredores] Cinema em Isolamento, com Marília Lima

Consumir e apreciar cinema se tornou hábito para muitas e muitos durante o momento de isolamento social – e, ainda com a pandemia, muitos cineastas e diretores continuaram produzindo e buscando expor seus trabalhos.

Porém, permanecemos em isolamento social. Os realizadores de cinema que sofrem com a falta de recursos não conseguem produzir – e ficam em situação precária. Os festivais, espaços universais de reconhecimento da sétima arte, não estão acontecendo. Ou será se estão?

Pensando em fomentar o cinema de forma perene, festivais de cinema se adaptaram ao virtual e continuam levando cinema inédito e de qualidade ao seu público. Esse é o caso do Primeiro Plano, festival de cinema tradicional de Juiz de Fora, que fará sua estreia nas telinhas dos computadores e notebooks mundo afora em sua décima oitava edição: a de 2020.

Essa semana, a Trama conversou com a Marília Lima, produtora do festival de cinema Primeiro Plano, para entender como está sendo o processo de lidar com o cinema e a produção de eventos durante um cenário de pandemia. Rola pra baixo pra conferir a entrevista!

Equipe de Produção do Festival Primeiro Plano em reunião.
Da esquerda para a direita: Marília Lima, Aleques Eiterer, Fausto Júnior, Pedro Nogueira e Nilson Alvarenga

Trama: Me conta um pouquinho da sua história com o cinema, e como você chegou onde você está hoje, na organização de um festival de cinema que abrange produtores de toda a América Latina.

Eu fiz Jornalismo na UF, mas eu sempre estive no campo do cinema, seja estudando, ou praticando. Eu conhece o Primeiro Plano enquanto era estudante. Em 2010, eu entrei no mestrado em comunicação, pesquisando cinema, e comecei a trabalhar no festival com o Nilson, que era meu orientador e coordenava a parte de comunicação do Primeiro Plano. Ao mesmo tempo a gente realizava filmes. Eu trabalhei como assistente de direção, diretora, produtora, diretora de fotografia e técnica de som. Filmes de baixo orçamento, então, a gente mesmo fazia tudo. Em seguida em entrei para o Luzes da Cidade, que é a entidade cultural que realiza o festival e também filmes e mostras de cinema. Depois, em 2012, o Nilson passou a coordenar as oficinas e eu passei a coordenar a parte de comunicação do festival. Em 2013, eu mudei para o Rio e comecei a trabalhar também, além do festival, com as mostras de cinema que o Luzes realizava no CCBB e na Caixa Cultural. Ao mesmo tempo, trabalhando em filmes.

Em 2015, eu passei em um concurso de professora substituta no IAD da UFJF eu voltei para Juiz de Fora para dar aula de cinema. Em 2016 eu dirige o Minas Hotel, meu primeiro filme solo, rs! Fiz com recursos do Edital Filme em Minas, do Estado de Minas Gerais.

T: Para você, são dez anos na organização do festival, que está aí fomentando o cinema – tanto enquanto produção quanto enquanto produto para consumo – desde 2002, de forma presencial. Como está sendo pensar o festival em moldes tão diferentes?

M: Eu confesso que achei que seria mais difícil, a produção do festival [nesses moldes]. Mas como reduzimos bem a programação, está mais simples de organizar. Porém, temos vários desafios, como a divulgação, que tem que ser feita mais intensamente de modo virtual.

Pessoalmente, estou feliz que vamos fazer o festival, pois isso sempre é um desafio – e quando acontece, a gente já fica muito contente; porém, um pouco triste também, porque é a minha semana predileta no ano. A gente encontra muitas pessoas, conversa com muita gente, faz amizades e traça novos planos para o futuro.

T: Inclusive, qual é a diferença que você sente em o festival ter reduzido a programação?

M: Não vai ter os 6 dias de longas, né! Teremos 2 longas só, e não vai ter a sessão infantil também. Vamos apresentar as mostras principais, que são as mostras competitivas, os debates e as oficinas.

Essa programação se adaptou ao formato virtual; achamos que neste momentos as pessoas já estão um pouco cansadas de lives e programações em casa. Então achamos que não precisava de tanta coisa – pois a ideia do festival é criar um espaço na semana pra pensar e respirar cinema

T: E existe um incômodo, por parte da produção, pensando no sentido de reduzir o espaço para a quantidade de produções?

M: Não há um incômodo, não. As condições não estão tão propícias para a realização do festival, mas precisamos fazê-lo; então, vamos fazer o que é possível de ser feito. Acho que estamos todos conscientes de que esse é o melhor formato.

O festival nunca pulou edição, foram edições ininterruptas. Achamos um posicionamento político importante realizar da forma como é possível para não pular uma edição.

T: Justamente pensando nisso, eu queria saber um pouco mais sobre esse posicionamento político, sobre a importância que vocês enquanto produção percebem na realização do festival, ainda que reduzido em programação, ainda que adaptado para os moldes online.

M: A cada ano, a gente percebe como o Primeiro Plano influencia de alguma forma na produção audiovisual em JF. Eu via isso na Facom, e agora no IAD, como há filmes que são pensados para serem exibidos no festival. A mostra Regional pra gente é justamente esse espaço que as pessoas tem pra pensar sobre suas produções e as dos colegas, para se inspirar e fazer um filme. Aquela coragem de ver um trabalho na tela e ver que pode também fazer um filme para exibido ali. É assim que muitos e muitas realizadores/as começaram a fazer cinema.

Além disso, a nossa curadoria tenta fazer uma amostragem de filmes diversos, com temas e estilos diversos, e com realizadores(as) também diversos. É importante, pra gente, trazer as pessoas e mostrar para as pessoas como o cinema é múltiplo, tornando assim o espaço democrático, agregando uma diversidade de gentes.

T:  E existe também a ideia de dar um gás, um ânimo, para os realizadores de cinema, que estão passando por um momento ainda mais complicado que a maioria dos profissionais, certo? Como vocês percebem o impacto da pandemia e do isolamento no fazer cinematográfico do Brasil – agora de forma mais ampla, não pensando apenas no Primeiro Plano?

M: Isso, nossa intenção é também criar a sensação de estabilidade, mesmo que adaptada. O impacto foi grande para diversos setores do audiovisual, desde as produções até os próprios festivais. A pandemia acirrou mais ainda um setor que já estava em crise, principalmente pela falta de recursos públicos, que só piorou nos últimos anos. O cinema não recebe atenção alguma do governo e quando recebe é para desvalorizá-lo.

E o mercado não dá conta de contratar a quantidade de profissionais. Então estamos vivendo uma crise, não tão recente, mas que, agora, tornou-se pior.

Só mais uma coisa, é possível realizar filmes em isolamento, desde que haja recursos para isso, e é isso que não temos.

T: E com o formato online, não só as dinâmicas da programação mudam, como também a recepção do público, certo? Quais mudanças vocês estão esperando para a edição desse ano, no que tange à audiência?

M: A gente espera manter nosso público e aproveitar para agregar novos públicos, de outros lugares. Por exemplo, o público que será convidado pelos/as diretores/as da Mercocidades. A gente espera também aumentar o público e a participação das pessoas nos debates.

T:  Pensando nesse sentido de agregar mais gente, vocês anunciaram nas mídias de vocês que a edição desse ano teve um recorde de inscrições, com 323 filmes na Mostra Mercocidades e 30 na mostra regional. O que esses números representam para o festival – em especial no atual cenário que o cinema nacional vem enfrentando?

M: O número de inscritos indica que a produção de cinema só cresce e também indica nosso alcance no Brasil e na América do Sul. Acredito que, como estamos mais ligados no universo virtual, as pessoas conseguiram (ou arrumaram tempo para) conhecer novos eventos – o que nos ajudou a chegar em novos lugares.

T:  Inclusive, um dos filmes que está na programação do festival desse ano veio de uma iniciativa inédita de vocês, o #PPFeitoemCasa. Como foi estruturar essa iniciativa nova dentro de um festival que está consolidado há quase vinte anos? E como essa experiência serviu para a estruturação do festival que acontece agora no fim do mês?

M: Nossa proposta era dar uma respiro para as pessoas que estavam em casa e mostrar que é possível ser criativo em situações limítrofes. O festival, mesmo, costuma se adaptar às situações em função das incertezas de recursos; somos ótimos em nos adaptar, de tanto que vivemos momentos assim. Além disso, foi uma forma de colocar em teste o formato do online. E foi ótimo, tivemos muitos inscritos e muitas visualizações.

T: Caso o formato online dê bons resultados para o festival, existe um plano de trazê-lo nesse formato também nas próximas edições, paralelamente às sessões presenciais?

M: Não havia pensado isso ainda. Mas acho que é possível sim! Uma ótima ideia que nos deu! Estamos sempre abertos a repensar o formato e incorporar as coisas que deram certo.

T:  Qual pergunta você gostaria que eu tivesse feito e não fiz? E qual a resposta para ela?

M: Acho que abordar o tema do festival representado pela arte desse ano é importante. O conceito e a criação foi do Inhamis, que é nosso parceiro há anos. A proposta é representar esse momento de fluidez, de adaptação, indicado pelo rio ou mar, além de relacionar com a navegação aludindo ao mundo virtual.

 

O Primeiro Plano acontecerá entre os dias 24 e 28 de novembro, de forma online, através da plataforma InnSaeiTV. O link para as sessões serão disponibilizados no site oficial do Festival.


Sobre a Entrevistadora:

Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama, Social Media na Peregrina Digital e escritora nas horas vagas.



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