O Efeito Dominó

Há muitas coisas que se pode dizer sobre as eleições presidenciais norte-americanas. Talvez essa seja a eleição norte-americana mais importante do século XXI, mas talvez ela seja somente mais um episódios de grande destaque na história. Seja qual for o resultado delas, o mais importante não será quem venceu, mas sim como e o que significa essas vitórias.

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar ou perder vai ganhar ou perder, vai todo mundo perder” – Dilma Rousseff.

Essa frase, para muitos, soou confusa, e virou até motivo de gozação. Contudo, depois de algum tempo, as pessoas começaram a entender o real sentindo que Dilma estava querendo dizer: no final do dia, não importava quem tinha vencido ou perdido, o país já estava derrotado. E é isso que deve ser compreendido, acima de tudo. Os estragos que as eleições de 2016 fizeram nos Estados Unidos, assim como os questionamentos sobre o Sistema Internacional, já foram feitos. Dificilmente uma vitória de Joe Biden conseguiria mudar aquilo que se instaurou na Era Trump.

A razão disso é que mesmo se Joe Biden ganhar – o que pode ocorrer e, de acordo com as previsões, é o que vai acontecer -, ele não vai conseguir mudar o sentimento de revolta de milhões de americanos sobre o país. Não só isso: ele também não vai conseguir reaver os questionamentos sobre a China. A questão principal aqui é que não se pode reconstruir o mesmo prédio que foi demolido. Se Joe Biden vencer, ele terá que começar a reconstruir tudo que o governo Trump fez questão de destruir. E isso pode demorar um tempo que os Estados Unidos talvez não tenham.

Contudo, a vitória de Trump também não significa o fim do mundo. Isso porque aquilo que Trump se propôs a fazer, ele já fez. Em seu governo, o mesmo conseguiu com que as pessoas questionassem as grandes mídias, iniciou uma “guerra sem vencedores” com a China e também desestruturou instituições antes respeitadas nos Estados Unidos. Um segundo mandato de Trump seria apenas a continuação daquilo que já foi visto. E isso, já sabemos como está sendo diariamente refutado. Logo, uma vitória do atual presidente apenas significaria um eterno retorno do mesmo.

Mesmo com essas perspectivas iniciais – as quais podem contribuir com a sensação de que nada irá mudar, independente de quem for eleito -, é importante ressaltar que a vitória de Biden ou Trump vai, sim, mudar novamente a estrutura politica do Sistema Internacional. A questão principal aqui é o alinhamento político. Isso porque, em busca da sobrevivência e da maximização do seu poder, os governos buscam se aliar a outros (geralmente mais fortes ou de mesmo nível hierárquico) com o objetivo de garantir a sua defesa e soberania. Dessa forma, os países devem e estão sempre preocupados com os líderes políticos de outros países. Ainda mais se o líder em questão é o de uma das maiores potencias do mundo.

Esse é o primeiro ponto que deve ser discutido. Isso porque, no caso do Brasil, por exemplo, a eleição de Bolsonaro e toda sua retorica política foi baseado no seu alinhamento politico com o governo Trump. Uma derrota de Trump obrigaria o governo Bolsonaro a repensar algumas de suas pautas. Não só isso: ela colocaria em dúvida a força do seu governo e alguns acordos feito graças aos Estados Unidos, como a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O segundo ponto, e esse se estende a governos de outros países que não o Brasil, é a continuação de mandatos. Uma derrota de Trump pode ocasionar um efeito dominó em governos ao redor do mundo. Não é de hoje que os países, em sua maioria, tendem a seguir outros em uma determinada direção ideológica. Por exemplo, no mesmo período que Trump foi eleito, figuras como Bolsonaro, Erdogan, Netanyahu e muitas outras também o foram. Como se não bastasse, é possível perceber uma tendência nos países latinos a passarem pela mesma situação quase no mesmo período: é o caso, por exemplo, do Regime Militar e da onda de presidentes a esquerda na Era Lula.

Dessa forma, é possível perceber uma tendência ideológica na América Latina – a qual é sustentada em grande medida pela configuração geopolítica mundial na atualidade. Os Estados Unidos, sendo o país de maior influencia na América, tendem a influenciar drasticamente os países vizinhos. Sendo assim, o futuro presidente estadunidense vai ser peça chave para decidir a política dos países latinos. Caso Trump venha a ganhar a eleição, por exemplo, será possível perceber uma continuação da política Bolsonarista, e um fortalecimento no processo de legitimação das mesmas. Caso seja Biden o eleito, Bolsonaro corre o risco de ter sua legitimidade enfraquecida e, consequentemente, ter suas chances de reeleição drasticamente reduzidas.

Para além da política internacional, os cenários social e econômico também devem ser considerados. No primeiro fator, será possível perceber uma possível apaziguada no discurso caso Biden vença. Contudo, sobre isso não se engane: os Estados Unidos possuem uma tradição de política externa muito bem definida, e qualquer mudança não será tão drástica como se aparecerá nos jornais. Além disso, é preciso lembrar que o governo Trump nada mais foi do que a representação do discurso de muitos norte-americanos – não a toa, foi eleito em 2016.

Nesse contexto, temos os fatores econômicos que, apesar dos pesares, não mudarão da forma como muitos pensam. Isso porque os Estados Unidos sempre foi um grande parceiro comercial para o Brasil; logo, independente do resultado das eleições, a relação econômica e comercial tem tudo para a permanecer como está. Caso Biden vença, porém, a tendência é que as relações melhorem um pouco – uma vez que grande parte dos acordos comerciais assinados na Era Trump foram desproporcionais para o lado brasileiro, como é o caso do aumento da cota de importação de trigo dos Estados Unidos. Todavia, vale lembrar que, historicamente, as relações entre EUA e Brasil sempre foram desproporcionais; logo, uma mudança de governo nos EUA dificilmente vai mudar, a longo prazo, as relações comerciais entre os dois países.

Dessa forma, pode-se concluir que, ainda que as eleições americanas sejam indubitavelmente relevantes e que ter um pensamento mais justo e humano no governo da maior potência do mundo seja excelente, o cenário internacional não tende a sofrer, na prática, um impacto mais forte do que já era esperado. Haverá ainda muitos desafios a serem enfrentados independentes do resultado, sendo um deles a crise econômica, entre tantos outros aspectos da sociedade pós Corona Vírus. A real relevância desse resultado é a de nos dizer quais serão os próximos passos daqui para frente.


Ana Paula Cionci é internacionalista que vive para a política. Quando não está vendo algo sobre política, está lendo sobre algo relacionado a Ásia e historia no geral. Nas horas vagas, é um pouco pilateira, yogi e escritora.



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