Para mulheres: Relembrar existências faz existir

Essa é uma carta para mulheres.

Vivo na busca de memórias que possam ressignificar o presente e o futuro em simbiose com a lembrança de mulheres fortes que compõem a nossa história. Percebo que muitas delas foram esquecidas, anônimas ou até (des)conhecidas. Grande parte das conquistas e direitos que temos, como mulheres, provém da luta e do sangue de nossas ancestrais. Faz-se necessário, portanto, um mergulho interno à nossa identidade para compreender a história, de modo que possamos reconhecer as demandas e conquistas
das nossas em território brasileiro, para depois expandir e navegar por horizontes.

Milton Nascimento, a voz do Brasil, já cantarolava: “Maria, Maria é um dom, uma
certa magia, uma força que nos alerta”. O Brasil é território de Marias. Maria da Penha,
Maria Bonita, Maria Felipa e Maria Padilha. Na comemoração de Independência da Bahia, neste ano, conheci e pude relacionar histórias de algumas heroínas que fizeram parte desse momento histórico e ganharam mais visibilidade. Entre os nomes citados, estava Maria Quitéria.

Nascida em 27 de julho de 1792, na cidade baiana de Feira de Santana, Maria Quitéria fugiu de casa com 19 anos, cortou o cabelo e vestiu as roupas do seu cunhado, José Cordeiro de Medeiros, se apresentou voluntariamente para o Exército, fingindo-se de
homem, com o nome de Medeiros. Com o objetivo de se juntar às tropas que lutavam
contra os portugueses, foi para o campo de batalha em uma época que a mulher não
tinha autonomia em qualquer campo de atuação e participou de várias batalhas em
defesa do Brasil e da Bahia. Uma das principais mulheres da cultura nordestina, morreu
praticamente cega e no anonimato, em Salvador, no dia 21 de agosto de 1853. Depois de
143 anos, ela recebeu do Estado brasileiro o título de Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.

O machismo e a misoginia praticados por homens que se portavam/portam como
seres dominantes e superiores impediam/impedem o crescimento das mulheres, limitam sua liberdade e dificultam a ocupação de cargos profissionais por mulheres, em todos seus recortes e existências. Sempre foi dessa forma e permanece. Lutamos para que possamos ser fortes e reconhecidas da forma que quisermos, sem termos que nos munir de vestes masculinas para, unicamente, receber aprovações ou ter grandes conquistas. Conhecendo Maria Quitéria, mulher brasileira, nordestina e porreta, é possível relacioná-la com outras mulheres.

Jeanne Baret e Maria Quitéria
Arte digital por Ariadne Bedim

Jeanne Baret possui muitos pontos em comum com a história de Maria Quitéria, primeiro pelo dia e mês de nascimento. Em 27 de julho de 1740, Jeanne nasceu. Seus pais eram humildes camponeses e a ensinaram a identificar as plantas por suas propriedades curativas; assim, ela se tornou botânica. Em uma época que as mulheres eram proibidas de viajar à bordo de um navio, ela se disfarçou como um rapaz com o nome de Jean e foi para uma viagem ao redor do mundo. Durante a viagem, Jeanne realizou várias descobertas – entre elas, a da Bougainvillea brasiliensis, uma trepadeira com flores brilhantes e belas, nativa da América do Sul. Jeanne Baret morreu em 5 de agosto de 1807, na região da Nova Aquitânia, sendo conhecida apenas por ter sido a amante do naturalista e botânico Philibert Commerson. Séculos depois, ela foi reconhecida como a primeira mulher a circum-navegar o mundo contribuindo com diversas descobertas botânicas.

As semelhanças entre essas histórias moldam a existência de mulheres daquela época, permeadas por esforços constantes para conquistar seu lugar. A luta pelo que elas acreditavam, traduzidas em seus feitos, foi combustível para a concretização de tais narrativas. Mulheres vestiram-se de espada, escudo e atravessaram o mundo no século XVIII. A nossa batalha é por nós e por elas; as que vieram e as que virão, para que não tenhamos que fingir quem não somos. Sejamos mulheres cientistas, pesquisadoras,
botânicas, navegantes e guerreiras; sejamos.


Ariadne Bedim é jornalista formada na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, doula, fotógrafa documental e afetiva, umbandista, encantada pela antropologia visual e audiovisual. 


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