[Arredores] Bordando raízes, com Washington da Selva

As artes visuais são, frequentemente, encaradas como artes voltadas para um público literato – assim como os espaços de galerias e exposições; porém, a realidade vem sendo modificada, a cada dia.

Cada vez mais, os espaços das galerias vêm sendo colonizados – ou descolonizados – através do trabalho de artistas que buscam, em seu cotidiano e em sua história de vida, temáticas e suportes que transformam a arte em ponte, para que pessoas que nunca pensaram em consumir arte estejam nesses locais enquanto personagem e enquanto público que dialoga com seus significados. Entre eles, está Washington da Selva – artista, pesquisador e trabalhador da terra, nascido em Carmo do Paranaíba e finalista do 11º PRÊMIO DASARTES 2021 – um dos maiores prêmios voltados para as artes visuais do Brasil.

Essa semana, a Trama conversou com o Washington sobre o Prêmio DASartes, sobre seus processos criativos e sobre suas urgências enquanto artista. Rola pra baixo pra conferir a entrevista!

Washington da Selva, artista visual finalista do Prêmio DASartes 2021
Foto: Arquivo Pessoal

Trama: Você trabalha com arte desde 2014, certo? Ou desde antes?

Washington: Arte como trabalho, sim, desde 2014; mas sempre muito apaixonado pelo desenho, pela observação da natureza e pelos materiais dos lugares que vivi, pelas culturas que quando criança eu apenas tinha acesso pela tv e revistas. Eu desenho desde muito criança, aprendi de forma autodidata através de revistas que comprava na pequena e única livraria da minha cidade natal (Carmo do Paranaíba – MG).

T: E como foi esse processo de passagem, entre uma criança apaixonada por desenho, autodidata, e o momento em que você passou a se considerar artista?

W: Eu aprendi muito na universidade, e minha trajetória familiar e de consciência de classe me inspirava em fazer daquilo que eu sempre me identifiquei também um trabalho, uma forma de renda. Quando saindo da fase adolescente, aos 17 anos, tive meu primeiro emprego em um estúdio fotográfico em minha cidade, e após 3 anos migrei para uma agência de comunicação. Nestes lugares, ainda de forma autodidata, aprendi sobre fotografia e design; então, a partir daí, para aperfeiçoar o que acabou se tornando um trabalho, e buscando condições melhores de vida, entrei como aluno de Artes e Design na universidade pública. Digo que acabei me tornando artista por acaso; meu contexto de vida dava a entender que arte não era para mim, e ainda hoje minha mãe diz: “quem diria um filho artista!”. Passei a me considerar artista a partir do momento que minha produção dentro da universidade começou a se projetar nos corredores do Instituto de Artes e Design, na Galeria Reitoria da UFJF, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, no Museu de Artes Murilo Mendes, no Fórum de Cultura da UFJF, na Casa Povera. Enfim, em tantos outros espaços de Juiz de Fora que contribuem para a projeção dos artistas locais.

T: Enquanto o artista que você é, qual é a sua percepção desse limiar entre o aprendiz e o artista?

W: Para mim, arte é processo e experimentação. E esse espaço de experimentação é importante para que novas coisas surjam. Hoje, não sei se existe um limiar entre aprendiz e artista; eu me considero em um constante lugar de aprendizado. Ainda mais por me considerar artista/pesquisador, são coisas que andam juntas em meu trabalho.

T: Você faz muita questão de se colocar nesse local de trabalhador da terra, e de trazer as suas origens para o seu contexto artístico. O que existe, no seu trabalho, de inspiração pensada – para além dos elementos que te compõem enquanto ser humano que se criou nesse contexto – a partir desse diálogo com o campo?

W: É engraçado como o inconsciente atua. Comecei produzindo alguns desenhos, algumas fotografias, fazendo os exercícios da universidade, e a partir de leituras destes trabalhos produzidos… e com acompanhamento de grandes professores do Instituto de Artes e Design, meus trabalhos começaram a me evocar algumas urgências, como os cruzamentos entre questões de classe, raça e geopolíticas. Foi daí que fui tomando consciência dos lugares e condições que cresci (e não o contrário). Por ter nascido e crescido na zona rural do triângulo mineiro, local onde o agronegócio atua fortemente, acompanhei de perto situações de extrativismo das nossas terras, assim como, também, a mineração do tempo e da vida em situações muito precárias de trabalho

T: Qual, você diria, que é a sua principal urgência hoje, no que tange o discurso do seu trabalho?

W: Olhar para as minhas raízes, e deslocar estes discursos.

T:  Deslocá-los para onde?

W: Carregando eles comigo, pros lugares que frequento, que me formam, que me colocam em crise. Pensando que, poder comunicar como artista ainda vivo, levando estes diálogos para lugares como o do Prêmio DASartes (que concorro como artista finalista), sendo eles um espaço de fomento ao mercado de arte e de produção cultural a nível nacional. E utilizá-los como ferramenta de arte-educação, por fornecer material para professores da rede básica, e como meio de comunicação dos profissionais de arte, como museólogos, curadores, críticos, artistas, galeristas e estudantes de artes plásticas, arquitetura e design.

T: Você está concorrendo ao Prêmio DASartes com uma peça em bordado; e para além dela, você tem trabalhos em fotografia, em performance, em instalação. Como funciona, para você, esse processo de trabalhar com tantos suportes diferentes, transpondo esse discurso que te permeia?

W: Bom, durante minha formação no interdisciplinar do Instituto de Artes e Design, passei por diferentes ateliês, desenvolvi diferentes técnicas, tive acesso a artistas e a produções que trabalham com diferentes suportes. Tendo este arcabouço de opções, e sempre sendo uma pessoa que se joga para as experimentações, hoje, o suporte que utilizo surge com o contexto de cada produção. Por exemplo, a fotografia me permite mobilidade, produzir nas ruas, enquanto caminho, em uma viagem, dentro do ônibus; os bordados, muitos fiz em sala de aula enquanto assistia aulas, ou mesmo enquanto esperava algum ônibus para me deslocar; instalações, elas me permitiam lidar com objetos do cotidiano, e com simples gestos de alterar e deslocar estes objetos para a galeria. Antes de tudo, a arte, ela acontece na mente, e eu apenas faço as ações que têm que ser feitas com o que eu tenho disponível no momento.

T: Como você percebe o impacto de cada suporte, no que diz respeito ao seu público? Qual tipo de retorno você costuma receber ao trazer um suporte novo?

W: Essa pergunta é ótima, pois tenho pensado bastante nisso nos últimos tempos. Tenho experimentado com o bordado faz pouco mais de 2 anos, e o tempo do bordado é bem mais lento – então, muitos dos trabalhos que iniciei 2 anos atrás, estou dando vazão agora. Meu primeiro contato com o bordado foi quando, há 2 anos e meio, meu namorado, também artista Matheus de Simone, conduziu uma oficina coletiva de bordado. Mais tarde, eu fui convidado para compor um grupo de artistas que lidam com o bordado dentro das artes contemporâneas, o grupo Carta/Borda, de curadoria e organização da artista brasiliense Suyan de Mattos. Fiz algumas produções junto a este grupo, que irão em algum momento compor uma exposição presencial. Desde então, segui produzindo o que veio a se tornar uma série de trabalhos que faço com imagens que minha mãe, Maria Aparecida, me envia da câmera de segurança de sua casa, em minha cidade natal.

O bordado me abriu para trocas com comunidades de bordadeiras/es/os, me permite um diálogo com quem não está produzindo apenas arte para os museus. Recebi convites para fazer lives durante a pandemia e falar de meu trabalho junto a estes grupos e, agora, com a notícia da premiação, estou recebendo muito apoio de pessoas de minha cidade, que agradecem pela vazão da produção que dialoga com as questões da nossa terra.

T:  O Prêmio DASartes é um dos maiores prêmios do país no âmbito das artes visuais. Como é, para você, após seis anos como artista profissional, ter o reconhecimento de chegar entre os finalistas?

W: Sinto que é um momento importante que me chama para a maturação, para tomar frente do que produzo. Por vezes, produzir arte ficava em segundo plano, visto que ainda é difícil para um artista jovem viver bem apenas com a sua produção artística. Tenho me chamado à atenção sobre colher estes frutos em vida. E chegar entre os finalistas do Prêmio DASartes é como estar, pela primeira vez, na sombra dessa árvore frutífera. Penso também nas questões geopolíticas, que sempre atravessaram minha vida – tanto por ter nascido na zona rural do interior de Minas Gerais, quanto também, por viver em Juiz de Fora, e não ter as mesmas interlocuções que os artistas que vivem nas principais capitais do país possuem.

T: E como se deu a escolha da obra para o Prêmio?

W: Através de bons diálogos que tenho com pessoas que passam a conhecer minha produção, e também pelo diálogo com nosso contexto atual. O bordado que tem sido veiculado pelo Prêmio faz parte de uma série que se chama Social Jungle, que iniciei em 2019 – mas que, hoje, durante a pandemia do covid-19, evoca algumas urgências de nosso tempo. Eles nos mostram, em sua maioria, pessoas emolduradas pelo desenho de um celular, em cenas que se passam nas ruas. Ainda, em sua maioria, essas pessoas são trabalhadores – um padrão que tenho percebido e que tem feito sentido em minhas pesquisas é que, em cidades de interior, como a minha, onde espaços de lazer e cultura são reduzidos, não resta atividades a se fazer, para se estar nas ruas, senão se deslocar a trabalho.

T: Washington, e tendo em mente o contexto desse ano de 2020, que foi extremamente delicado para artistas de todas as áreas: o que significaria pra você receber um prêmio como este, em um momento em que a arte sofre tantos impeditivos e bloqueios?

W: Este ano foi um ano bem atípico, confesso que muitos medos e inseguranças surgiram. Receber o Prêmio me faria ficar contente, claro; mas sendo bem pé no chão, e sabendo que ainda existe um longo percurso pra ser caminhado debaixo do sol – principalmente atravessando a política de morte que tem sido conduzida pelas principais lideranças políticas do país.

T:  Qual pergunta você gostaria que eu tivesse feito e não fiz? E qual a resposta para ela?

W: Uma pergunta que eu mesmo tenho me feito! Que rumo e perspectivas eu darei para o meu trabalho a partir de então?

Bom, tem me instigado, em arte, o uso de dispositivos tecnológicos. Eles nos proporcionam a geração de fluxos de informações que podem assumir diferentes formas, lugares, contextos e temporalidades – como já indiciam os bordados que tenho feito. Estes aspectos atualizam o modo como as nossas interações são vivenciadas, apresentando desdobramentos em nossas relações (como percebemos com o avanço da comunicação durante a pandemia). Nesse sentido, tenho pesquisado e trabalhado agora com a internet e com estes meios de comunicação como suporte da minha produção – uma forma inclusive de dar acesso a um nível não-local à minha arte (descentralização).

Nos últimos meses, fiz duas produções em web arte. A primeira, que utiliza da interação dos membros das redes de internet, [se chama] “Data Landscape”, na qual construo uma linha do horizonte a partir da presença e da extração do local de cada visitante de uma página que criei. Ele esteve em exibição na Exposição virtual VRTLZND, com acompanhamento curatorial de Lívia Benedetti e Marcela Vieira (@aarea.co) em parceria com o SESC Avenida Paulista. E “Corpo animado”, a qual a velocidade de banda larga do usuário dita o tempo de respiração do desenho, que parece sustentado no ar em uma postura comum ao espectador que vê a obra de um computador, este trabalho compõe a Mostra EAV Parque Lage. E, em breve, estou organizando uma seleção de trabalhos para minha primeira exibição individual virtual que vai estar disponível no início de 2021 nos canais da Pró-Reitoria de Cultura da UFJF, como proposição ao edital de incentivo cultural Janelas Abertas. Só ficar atentes às minhas redes, @washingtondaselva e washingtondaselva.com.

 

O Prêmio DASartes será concedido ao artista/trabalho mais votado na plataforma online da revista. Você pode votar até o dia 25 de Janeiro de 2021, através deste link.


Sobre a Entrevistadora:

Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama, Social Media na Peregrina Digital e escritora nas horas vagas.



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