[ARREDORES] ARTE-EDUCANDO, COM GABRIELA ALVES

Através da interação com as artes, pode-se aprender muito; e não estamos falando, aqui, apenas do processo de se fazer arte, lidar com os materiais, aprender técnicas. Estamos falando daquilo que é ativado em cada sujeito ao ver uma obra, ao experimentar o resultado do processo criativo de outras pessoas, ao serem capazes de estabelecer relações entre si mesmas e um objeto artístico.

Nesse processo de relação, uma presença que afeta em muito a experiência é a do “guia de museu” – ou arte-educador. E quando pensamos nas experiências de museu online, as quais se popularizaram amplamente durante a quarentena e frente à necessidade do isolamento social, esse profissional pode ser ainda mais vital para tornar a interação com as exposições algo enriquecedor.

Pensando nisso, essa semana, a Trama conversou com Gabriela Alves, bacharela em Artes e Design (UFJF) e arte-educadora do Museu de Artes e Ofícios Bodoque. Rola pra baixo pra conferir a entrevista!

Gabriela Alves, arte-educadora do Museu de Artes e Ofícios Bodoque.
Foto: Arquivo Pessoal

Trama: O que faz uma arte-educadora?

Gabriela: Eu acredito que a arte-educação, ela seja essencialmente um trabalho de sensibilização, de toque, através do diálogo, da observação, da proposição, da criação de novas possibilidades de a gente olhar para o mundo e de se relacionar com ele. Então, o arte-educador, ele cria espaços de debate e de troca; ele estende e expande as percepções a partir do que esses indivíduos já trazem consigo. Porque é um trabalho de sensibilização mútua: eu, enquanto arte-educadora, tenho que estar muito sensível também para perceber o público com o qual eu estou me relacionando – para que, a partir disso, eu possa explorar as potências sensíveis que aquele indivíduo apresenta para como, com toda a história, toda a experiência que ele já carrega, que foram vividas antes daquele meu momento com ele. É saber perceber e se aproveitar desse momento de “fragilidade” da pessoa quando ela se coloca frente a uma obra de arte, quando ela se disponibiliza para vivenciar uma mediação cultural.

Para mim, o trabalho do arte-educador, de forma geral, é se utilizar de todas as ferramentas possíveis para proporcionar um toque, compreendendo que toda e qualquer pessoa é capaz de vivenciar uma experiência transformadora através da arte. Toda e qualquer pessoa é capaz de acessar as suas memórias, os seus sentidos, os seus sentimentos, a partir de um contato e de um diálogo com qualquer tipo de expressão artística.

T: Quando você ingressou no BI de Artes, era isso o que você tinha em mente de fazer? Como foi o seu processo até descobrir a profissão?

G: Eu entrei no BI pensando em fazer design; então eu acho que o BI foi muito generoso comigo no sentido de me possibilitar experimentar muitas coisas até eu compreender qual era o meu caminho dentro das artes.

Eu também sempre tive muito interesse em ilustração; então, eu cheguei a pensar, às vezes, que eu poderia ir para as artes visuais. E em um desses momentos, em que eu estava me encaminhando para fazer o segundo ciclo (do BI) em Artes Visuais, que eu tentei uma bolsa no setor educativo do MAMM (Museu de Arte Murilo Mendes), mas mais com o objetivo de estar perto das obras, de vivenciar os processos artísticos, de conviver com os artistas mais de perto e de alargar o meu repertório. E quando eu entrei para a bolsa, eu me vi totalmente tocada pelo trabalho da arte-educação; quando eu comecei a vivenciar as mediações, a lidar com o público e a perceber esses múltiplos olhares diante de uma mesma obra ou exposição, essas múltiplas reações, isso me tocou muito, e eu vi que aquilo fazia sentido para mim – estar ali atuando, mediando, e estudando, pesquisando sobre.

T: Você comentou que começou como arte-educadora no MAMM, e agora você tá no MAOB, fazendo o seu trabalho de forma online. Quais são as diferenças que você sente mais?

G: Eu acho que tudo tem sido um grande período de experimentação e adaptação dessas novas formas que a gente tem encontrado de ter contato com a arte e a cultura de maneira remota, de manter o contato com o público – e que tem vantagens e desvantagens.

Para mim, o principal benefício de desenvolver esse trabalho online é a facilidade de acesso, no sentido de difusão. Sendo a internet uma rede de compartilhamento, qualquer pessoa pode visitar [a exposição], pode participar das atividades e das propostas realizadas pelo museu, mesmo sem estar em Juiz de Fora. Isso, com certeza, seria mais difícil, se as visitas fossem presenciais.

Ao mesmo tempo, ainda que essas conexões existam, elas permanecem sendo virtuais. Nesse sentido, elas não suprem a necessidade que a gente tem de se relacionar – seja uns com os outros, seja com os espaços expositivos, ou com os próprios objetos de memória, de arte, de cultura. Existem coisas que só no presencial, mesmo, a gente pode fazer acontecer. Porque a gente também se comunica e se faz entender para além da fala – através do olhar, dos silêncios, dos gestos; e tudo isso são coisas que são mais delicadas, mais difíceis de serem captadas e lidas no virtual.

Além disso, quando eu digo que a arte-educação é um exercício de toque, não é só no sentido emocional; é no sentido físico, também. O toque físico também é muito importante dentro de um processo educativo, e é uma coisa que é impossível de ser atingida na estrutura virtual.

T: Já é a segunda vez que você vai fazer a mediação da Futuras Vanguardas, que é a exposição atualmente em cartaz no MAOB. Você pode contar um pouquinho sobre essa experiência específica?

G: Inicialmente, a gente do corpo técnico do Museu conversou para discutir sobre qual seria a melhor maneira de fazer essa mediação online, considerando que é uma coisa muito nova para todos nós, além dos problemas de conexão, interferências nas falas, entre outras dificuldades das reuniões online – que a gente mesmo, da equipe do Museu, já vinha vivenciando dentro das nossas próprias reuniões. Pensamos também sobre a plataforma, em qual seria a melhor opção para que nós conseguíssemos mostrar as imagens com qualidade, fazer uma apresentação… e aí foi muito difícil, porque a gente foi testando algumas plataformas – e umas atendiam em umas coisas, mas ficavam devendo em outras. Então, a gente foi tentando solucionar esses contratempos, mas sabendo que, como a primeira mediação online tanto da minha vida quanto do museu, era um espaço para a gente experimentar e vivenciar o modelo, e refletir depois sobre as possibilidades desse tipo de visitação, buscando sempre melhorar a forma como a gente acessa o público e cria diálogo com ele.

Uma das coisas que eu senti foi que, justamente, numa tentativa de a gente sustentar uma continuidade na visitação e não ficar confuso durante as apresentações, a gente decidiu usar o chat como forma de conversa e troca durante a mediação; mas isso não funcionou muito bem. Eu não conseguia acompanhar o chat enquanto eu estava com a apresentação aberta – até porque, as falas apareciam muito rápido para mim, e eu não conseguia ler enquanto estava apresentando. Nessa segunda mediação, então, a gente decidiu tentar fazer com os microfones abertos, para que quem se sentir confortável possa intervir, buscando mesmo que haja mais fluidez nessa troca.

De modo geral, [a primeira mediação da Futuras Vanguardas] foi uma experiência muito nova pra mim, e foi bacana, porque tinha gente de outras cidades participando – e isso é muito bom, conseguir abrir o espaço de visitação para quem está longe e que, caso fosse presencial, não seria possível. Nesse ponto, pensando na difusão mesmo, foi muito positivo.

T: Você comentou sobre essa questão da difusão, que um público de outras localidades foi capaz de acessar a exposição. Como tem sido a recepção desse público à exposição, ao formato e à mediação?

G: Toda a percepção que eu tive, até agora, em relação ao contato do público com a exposição – que é a nossa primeira exposição, está tudo muito inicial – foi através da única mediação realizada, em dezembro. E isso, deixa, ainda, uma vontade de explorar mais, de ter mais encontros, para justamente ter mais retorno; é um objetivo nosso, proporcionar mais mediações – até pra que a gente possa produzir outros eventos, outros materiais, que venham a surgir dessas respostas do público, pensando na demanda mesmo que essa audiência tem.

Falando em relação a essa única mediação que aconteceu, foi muito interessante. No final, a gente pôde abrir os microfones e as pessoas puderam perguntar sobre o museu, e tirar dúvidas, e nós pudemos falar também sobre a missão do Museu, sobre a proposta… então, eu acho que foi importante para que esse público que estava ali começasse a estabelecer essa aproximação com a instituição e a entender o nosso papel, o que a gente está fazendo.

T:  Em relação à importância do arte-educador no contexto do museu: muitas vezes as pessoas não percebem arte enquanto ferramenta de educação, e pensam museus históricos (por exemplo) enquanto desprovidos de arte, servindo apenas para a obtenção de informação. Tendo isso em mente, como você percebe o trabalho do arte-educador enquanto agente de reconhecimento desses espaços?

G: Eu gosto muito de um artista uruguaio que se chama Luis Camnitzer, que fala que o museu é uma escola e que a arte é educação; uma coisa não está separada da outra. A arte, ela é uma manifestação e uma expressão humana, e por isso, ela é o reflexo de um contexto. Ela reflete sintomas de uma sociedade, de um tempo, de um espaço.

Tem também um livro que eu estou lendo, que a última frase que eu marquei nele, do Foucault, foi: “a arte tem a capacidade de tornar visível as estruturas inconscientes de uma sociedade”. Isso significa que a gente pode pensar qualquer coisa na sociedade a partir da arte; qualquer coisa pode ser apreendida por meio de uma ótica sensível e artística – até porque, [a arte] é um meio de comunicação que ultrapassa as barreiras do idioma. Ela propõe reflexões, questionamentos, ruptura de olhares… e tudo isso é extremamente formativo; especialmente porque a arte educa pela sensibilização, então ela consegue chegar em camadas muito profundas do indivíduo – muito mais do que uma simples memorização de conteúdo. E a arte, juntamente com a educação, ela pode e deve ser compreendida enquanto um estado, uma maneira de vivenciar as coisas, e não apenas enquanto o objeto artístico em si.

Para além disso tudo, o ensino de arte também serve como instrumento de preservação cultural; então, a arte também contribui na compreensão do indivíduo sobre a sua própria história e a sua identidade. O trabalho de arte-educação é muito potente justamente por promover essa ponte de conhecimento entre os bens culturais, os objetos artísticos, e o público.

T: Pensando nas experiências que você já passou como arte educadora, qual é um momento que te marcou?

G: Uma visita que eu amava fazer era quando iam grupos do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Eu recebi grupos do CAPS nos três museus em que trabalhei antes do MAOB, e é aquilo que eu comentei que acontece só no presencial: alguns deles são muito de tocar, de encostar; e o afeto, de afetar, de ser afetado, também se dá pelo afeto afetivo – de você tocar, abraçar, ficar junto da pessoa. Então, alguns grupos do CAPS, eles eram mais do toque, de tocar na gente; e, às vezes, isso faz toda a diferença durante uma mediação.

Eu me lembro que teve um senhor, que ele ficava me dando a mão toda hora, e a gente batia as mãos. Eu fiz essa visita com ele lá no Memorial [da República]. Passou-se um tempo, eu fiquei no Memorial mais ou menos por dois anos, depois fui trabalhar no Museu Ferroviário, e já tinha mais de um ano que eu não via esse senhor; eu mesma não me lembrava das feições dele, e me lembrei quando ele falou comigo. Ele fez uma visita comigo lá no Museu Ferroviário, e assim que ele chegou, me perguntou: “Uai, o que você está fazendo aqui? Você não era do outro museu?”; ele se lembrou dessa interação que a gente teve, de bater as mãos, do toque, e isso marcou ele. Esse acontecimento me emocionou muito, e serve para a gente ver como essa questão atravessa as pessoas. Ele não se lembrou de mim pelo que eu mostrei ali; a gente estabeleceu uma relação mais pelo toque. Isso foi muito bonito.

T: O MAOB, em breve, vai ter um espaço físico, no qual você vai retomar as mediações presenciais. Quais são as suas perspectivas para isso?

G: Elas são as melhores possíveis – inclusive porque, em relação à Futuras Vanguardas, é uma coisa que muda completamente a maneira como você entende todo o contexto e as próprias fotografias do João Lopes. Ver [as fotos] através de um visor estereoscópico é outra experiência, e traz uma percepção muito diferente sobre elas. Infelizmente, na mediação online, a gente não tem como enviar um visor estereoscópico para as pessoas, né?

Desde o primeiro momento em que eu tive o contato com o visor estereoscópico – que foi recentemente, pouco antes da primeira mediação -, eu fiquei muito empolgada de isso estar disponível para as pessoas conhecerem, e terem acesso às fotografias dessa maneira; porque o pensamento do João Lopes, quando ele estava fotografando, só ganha sentido quando você vê naquele visor e entende o efeito da tridimensionalidade. Isso é diferente quando você tem a experiência através do objeto. Então, eu acho que os objetos carregam um potencial muito forte de você se relacionar diretamente com eles, e eles podem disparar um monte de coisas [em você], que é [resultado] de você estar atento e sensível para perceber todas as coisas que aquele objeto pode ativar em diferentes pessoas. E não só o objeto, mas o próprio espaço de exposição. Quando a pessoa se permite estar ali para fazer uma visita, ela se coloca disposta, aberta a novas experiências e a viver o que está ali. É um momento de fragilidade, de abertura, que pode ser muito explorado.

Inclusive, a gente vai lançar uma ação esse mês que é baseada nos objetos que pertenciam ao João Lopes. Ele era um artista muito inventivo, e existem alguns objetos que ele criou; ele adaptava e criava, e eu acho que essa premissa de ter o contato com o objeto e poder, de repente, pensar essa ação de maneira presencial, isso pode gerar outros resultados, provocar outras reações.

Eu acho que o acervo do MAOB, ele é muito potente também porque ele dialoga diretamente com as pessoas. Por falar sobre o universo do trabalho, o acervo vai conter esses objetos de trabalho, que geram uma identificação de forma muito fácil com o público. Todo mundo tem acesso a objetos como esse; grande parte da população trabalha, e utiliza ferramentas, enfim. Então, eu acho que, além de tudo isso, o acervo dialoga muito horizontalmente com o público.

A segunda mediação da exposição Futuras Vanguardas, do Museu de Artes e Ofícios da Bodoque, acontece no dia 12/01, às 16h. As inscrições devem ser feitas através do e-mail: educativomaob@artebodoque.com


Sobre a Entrevistadora:

Carol Cadinelli é jornalista, apaixonada por palavras. Escreve, edita, revisa, traduz e, vez ou outra, fotografa. Atualmente, é editora na Trama, Social Media na Peregrina Digital e escritora nas horas vagas.



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