[CAÇADORA DE HISTÓRIAS] LUCCI LANZA: O VOO DA BORBOLETA

Nós só sabemos de tudo o que aconteceu na Terra durante todos esses séculos porque temos registros. Pinturas rupestres, fósseis, cartas, castelos e a fotografia.

Desde sua invenção, a fotografia nos permite entender o passado e no próprio presente criar o futuro.
Lucciele Lanza, “Lucci” como é carinhosamente chamada por todos que a conhecem, veio ao mundo com a missão de olhar, registrar e eternizar.

A fotografia é o tempo palpável, e Lucci capta o instante para entregar nas nossas mãos. Lucci é mulher, mãe, latina, imigrante e uma sonhadora. Sonhadora essa que bate o pé e faz acontecer.

Lucci nasceu no sul do Rio Grande do Sul, numa cidade chamada Rio Grande – mas foi num vilarejo de pescadores chamado São José do Norte que passou sua infância e juventude. Lucci cresceu rodeada de pessoas de verdade, simples e que, infelizmente, em sua maioria, não conseguiram concluir o Ensino Médio.

Ela nadou contra a maré e, dedicada que é, estudou muito e ingressou na Universidade Federal de Pelotas, cidade vizinha à que cresceu. Lá, formou-se em Direito, casou-se e foi morar na capital, Porto Alegre. Passou os anos seguintes dormindo e acordando imersa em livros preparatórios para concursos públicos.

Lucci teve sua infância toda registrada pela mãe, sempre sentindo muito carinho cada vez que tocava naquelas fotos cobertas por uma fina camada empoeirada. De maneira despretensiosa e com câmeras emprestadas, a jovem fazia fotos das pessoas da família – capturando até um momento do parceiro de sua mãe, que é músico, e que acabou estampando o disco. Tudo isso já era parte dela; ela só não sabia ainda.

Em 2014, comprou a primeira máquina fotográfica. Por onde andava, não via paisagens ou objetos: via fotos.

Um ano mais tarde, seu corpo sustentava dois corações amáveis e saltitantes, à espera de sua preciosa Isabela. Lucci registrava mensalmente o crescimento da bebê e as mudanças em tudo o que a rodeava. Sentia algo mágico acontecendo dentro dela – pois é o que acontece quando a gente faz o que ama: somos transportados para um lugar de flutuação, feito brilhantes bolhas de sabão.

Sua alma é de artista, inquieta. Nunca teve uma referência dentro da família ou fora, isso tudo é
totalmente dela, veio com ela e ficou adormecido até poucos anos. Lembra da jornada dela para ser aprovada num concurso? Conseguiu.

Trabalhava na Defensoria Pública do Estado. Mas, em 2018, Adriano recebeu uma oportunidade no trabalho temporário nos Estados Unidos, na ensolarada cidade de São Francisco. Lucci precisou tirar uma licença e o acompanhou, juntamente com a pequena Isa; e foi nessa pausa da vida que ela se reencontrou.

Numa terra desconhecida e sem nenhuma rede de apoio, era mãe em tempo integral. Porém, entre uma soneca e outra da filha, pôde se aventurar a fotografar aquele lugar que ainda estava descobrindo. Resolveu fazer um curso de fotografia para aprender a mexer nas ferramentas da câmera, mas nada além disso.

Em Agosto desse mesmo ano, Lucci e Adriano sentaram e rasgaram o mapa de suas vidas. Não queriam mais a normose, o roteiro, a vida pressurizada. Queriam pôr o barco no mar. Decidiram, então, pela exoneração do cargo de servidora pública que ela ocupava.

Um tempo depois, em Dezembro, vieram passar férias no Brasil. Ao encontrar uma amiga que estava grávida, Lucci se ofereceu para registrar aquele momento da vida dela – sem imaginar que a maior virada de chave da sua vida estava naquela tarde quente, a qual passou sem lembrar que horas existiam ou passavam. Algo muito precioso foi redescoberto ali.

Na volta para São Francisco, seguiu fotografando, praticando e montando seu portfólio. Foi quando
recebeu o primeiro pedido de orçamento que ficou chocada: “Mereço?”; ” Posso?”; “Consigo?”; E foi!
O período nos Estados Unidos estava terminando, e a família já havia virado o leme para uma nova aventura: O Velho Continente.

Precisaram voltar ao Brasil por um tempo curto: organizar pendências, investir em cursos e no sonho.
Nesse meio tempo, muitos trabalhos especiais aconteceram, fechando a temporada brasileira de maneira potente.

Agora, vire a página: Barcelona.

Lucci tem sua trajetória na fotografia marcada por recomeços. De São Francisco para o Brasil, do Brasil para Barcelona. E no momento em que sua mudança estava começando a dar frutos – trabalhos remunerados, clientes novos -, um novo país. Tudo do zero. Mas é do zero que começam todas as coisas.

Quando, já em solo catalão, foi procurada para realizar um ensaio, ficou em choque; porém, o que realmente choca é a sensibilidade de Lucci ao retratar momentos tão ternos.

A capacidade de reinvenção de Lucci também é surpreendente: com a pandemia impossibilitando muito do seu trabalho, a fotógrafa se arriscou na ideia dos ensaios remotos, reformulou preços e viu que ali havia também possibilidade de estabelecer conexões especiais. Em meio a incertezas, inseguranças e medos, Lucci se reencontra no doce olhar castanho de sua primogênita, no abraço-casa de Adriano e na torcida fiel de suas amigas todas.

Ao conhecer e fotografar famílias tão diversas, Lucci aprende e cura todas as suas versões. Lucci é generosa, gentil, humana e talentosa e, por essas razões, seu trabalho é tão acolhedor.

Pra te trazer um pouco do ser humano e da profissional que ela é, fiz uma breve entrevista – que, apesar de curta, foi uma experiência catártica. Vem comigo:

1) Quando foi que sentiu o despertar para mergulhar nesse incerto que faz teu coração vibrar?

“Foi em 21 de Dezembro de 2018, quando passei o dia inteiro fotografando minha amiga gestante. Nesse
primeiro ensaio, me dei conta que queria passar o resto da minha vida sentindo o que senti [naquele momento]. Como meu coração bateu naquele dia, eu ainda não tinha vivenciado e não podia deixar escapar pelos meus dedos”.

2) Quem é a Lucci quando tem a câmera nas mãos?

“A Lucci é a borboleta que está tatuada no meu braço. Fiz questão de tatuar porque ela representa a minha metamorfose. Não tenho dor, fome, sede. Só estou ali. E também a responsabilidade por estar contando uma história que estará registrada e será visitada por 2, 5, 20 anos. É uma mistura de sentimentos”.

3) O que diria para ti mesma daqui 10 anos?

“Eita, mas é uma pergunta mais difícil que a outra, né? (risos). Eu diria pra ela confiar, ter calma; as coisas acontecem no próprio tempo. Que curta mais o processo, que não precisava ter ficado tão angustiada. As coisas já estavam dando certo, era só o começo de uma linda trajetória. Não perder a essência de tratar cada pessoa com a atenção que elas merecem”.

4) O que é a fotografia pra ti?

“É meu combustível. Não é só apertar um botão. Não é só saber mexer em tudo. É muito mais do que isso. É algo espiritual, eu diria”.

5) Que marca tu quer deixar nas pessoas que estão na frente da lente?

“Em primeiro lugar, não quero que elas tenham só fotos bonitas. E sim, lembranças bonitas de uma experiência bonita. Durante os ensaios, prezo muito por isso: que realmente estejam se divertindo. Que se lembrem do dia, que possam fazer essa pausa para perceber o quanto são felizes e conectados. Quando fotografo mulheres, quero ajudar a fazerem as pazes consigo mesmas. Quando têm filhos, consigo ajudá-las a se reconciliarem com suas maternidades. Quero deixar histórias, quero ajudar a olhar para suas vidas a partir de um olhar mais afetuoso, que não julga, que só registra o que está acontecendo. Com a minha fotografia, busco enxergar o que as pessoas têm de melhor e entregar isso a elas para que também possam ver”.


Queridas e queridos leitores!

Aqui, quem te escreve é Victória: Escritora, idealizadora do projeto Caçadora de Histórias e colunista da Revista TRAMA.

Começamos esse ano cheio de páginas em branco escrevendo a nossa e trazendo a coluna de maneira ainda especial, porém renovada. Aqui conecto minhas palavras com a arte que a revista respira e traremos, quinzenalmente, histórias de artistas de todos os vieses como literatura, música, cinema,
dança e muitos outros, ajudando a reforçar e relembrar o quanto somos bordados e perfumados por toda essa pluralidade.

Com carinho, esperança e muita fé,
Victória Vieira


Victória Vieira é escritora e idealizadora do projeto Caçadora de Histórias. Caçando e ouvindo histórias, vou escrevendo a tua com minhas palavras e te ajudando a ter um novo olhar sobre ela. Siga o projeto no Instagram.


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