(RE) VISITANDO OS LIVROS DE VISITANTES DO MUSEU MARIANO PROCÓPIO

Ainda pouco valorizados por pesquisadores e visitantes, os livros de assinaturas existentes nos espaços culturais constituem importantes fontes de investigação histórica. No Museu Mariano Procópio, esse acervo vem sendo considerado objeto de reflexão e pesquisa.

A última assinatura encontrada no livro de visitantes da instituição foi registrada em meados de março de 2020, quando o Museu, em decorrência das medidas sanitárias de combate à pandemia do coronavírus, fechou suas portas às visitações, levando sua equipe a adaptar as estratégias de interlocução com o público à linguagem das mídias digitais. Entre os dias 2 de janeiro e 13 de março de 2020 – ou seja, no decorrer de dois meses e onze dias de “pré-pandemia”, foram registradas 1621 assinaturas. Apesar de o número ser bastante significativo para uma instituição que se mantém parcialmente aberta ao público desde o segundo semestre de 2016, certamente esse número de assinaturas está aquém do número de pessoas que visitaram a instituição nesse período – uma vez que muitos visitantes não têm por hábito registrar sua passagem pelo local. Acredita-se que a realização de visitas mediadas à Villa Ferreira Lage e o período de férias escolares no mês de janeiro tenham contribuído sobremaneira para esse quantitativo.

Dentro desse universo de 1621 assinaturas, cerca de 740 são de cidadãos e cidadãs de Juiz de Fora. Em seguida, destacam-se as de moradores da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, e de municípios como Muriaé, Conselheiro Lafayette, Governador Valadares, Ouro Preto, Ubá, etc. Vale destacar também a presença de municípios mineiros vizinhos, como Ewbank da Câmara, Carangola, Matias Barbosa, Simão Pereira, Lima Duarte, etc.

Moradores do estado do Rio de Janeiro, devido à proximidade geográfica com Juiz de Fora, marcaram expressiva presença – sobretudo os da capital e dos municípios de Petrópolis, Três Rios, Duque de Caxias, Búzios, Paracambi e Belford Roxo. O livro também comprova a visita de cidadãos e cidadãs de outras unidades da federação, como Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Maranhão, São Paulo, Paraíba, Pará, Paraná, Santa Carina, etc. Vale destacar também a presença de visitantes de outros países, como Venezuela, Peru, Argentina, Estados Unidos, França e Alemanha.

A diversidade de público, do ponto de vista geográfico, também pode ser observada nos mais de 50 livros de assinaturas de visitantes que o Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio tem sob a sua guarda. Esses documentos históricos começaram a ser produzidos na instituição em 1921, quando o Museu foi oficialmente inaugurado por Alfredo Ferreira Lage, cumprindo a função de efeméride do centenário de nascimento de seu pai. Na ocasião, chamam atenção as assinaturas de autoridades como João Penido, José Rangel, Machado Sobrinho, dentre outras. Os livros com assinaturas datadas dos anos de 1921 a 1936 são praticamente as únicas fontes institucionais do Museu, produzidas antes de sua doação ao município de Juiz de Fora em 1936.

Assinatura de Alfredo Ferreira Lage abrindo o livro de visitantes do MMP em 23 de junho de 1921 –
Acervo do Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio (MG)

Como fontes de pesquisa produzidas pela instituição ao longo de décadas, esses livros permitem fazer um sobrevoo sobre a trajetória do Museu a partir da relação com seu público (ou públicos, no plural). Por esse motivo, merecem, por parte da equipe do Departamento de Acervo Técnico, todo cuidado na conservação, através do monitoramento de suas condições de guarda, da adoção de medidas contra o ataque de insetos xilófagos e da mitigação de fatores que podem acelerar o processo de degradação das encadernações e do miolo (folhas).

Dentre as diversas assinaturas, podem ser citadas, a título de exemplo, as de diversos famosos: na década de 1920, a do ministro da Polônia, que também deixou breve comentário sobre sua passagem pela instituição; e a do poeta Manuel Bandeira, cujo poema sobre o Museu Mariano Procópio se tornou bastante conhecido. Na década de 1930, consta a do então presidente da república do Brasil, Getúlio Vargas; do descendente da família imperial, Pedro d’Orleans e Bragança; do político Olegário Maciel; dos escritores Sylvio Romero, Pedro Calmon e Belmiro Braga (também conhecido como “Trovador de Vargem Grande”); e da colecionadora e prima de Alfredo Ferreira Lage, Viscondessa de Cavalcanti. Na década de 1940, destacam-se a do pioneiro cineasta mineiro, João Carriço; do futuro presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek; e do aeronauta português, Gago Coutinho.

Assinatura de Getúlio Vargas
Acervo do Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio (MG)
Assinatura de Sylvio Romero
Acervo do Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio (MG)
Assinatura e comentário do então ministro da Polônia
Acervo do Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio (MG)

Os vestígios/indícios registrados nesses livros de visitantes, sem dúvidas, não demonstram apenas a passagem de famosos ou personalidades da política, das artes e da ciência, mas também a presença de cidadãos e cidadãs cujas histórias e/ou memórias, quando possíveis de serem reabilitadas, são de grande relevância para esse espaço cultural. Infelizmente, a maioria das informações disponíveis nos livros se restringe ao nome, data e cidade/estado dos visitantes, havendo lacunas quanto às percepções do público acerca do espaço museal, de seu acervo, de suas narrativas e de seus projetos de memória.

Assinatura e comentário de um dos visitantes
Acervo do Arquivo Histórico do Museu Mariano Procópio

Entretanto, constam no acervo da instituição dois livros de comentários de visitantes, relativos ao período de 1983 a 1995, em que é possível observar – explícita ou implicitamente – elogios, críticas, sugestões de exposição e de mudanças na forma de expor os objetos, observações sobre o estado de conservação das peças, solicitação de enaltecimento deste ou daquele personagem histórico, deste ou daquele objeto. São relatos que deixam entrever subjetividades e múltiplas concepções de museu, história, arte, memória, administração pública, etc.

Um olhar atento sobre esses comentários permite perceber o que o público esperava ou espera do Museu e de seus diversos papéis sociais: há os que defendem seu uso como espaço de perpetuação de memórias das “grandes personalidades” e de seus “grandes feitos”; os que o concebem como espaço de entretenimento e contemplação, onde se cultua o belo e se guardam preciosidades do passado; há também os que o elegem como espaço exclusivamente informativo; e, por fim, os que nele procuram lazer e fruição estética, mas sem deixar de lado seu papel na construção de conhecimentos, pesquisas, reflexões críticas e diálogos entre múltiplas vozes e áreas do saber.


Sérgio Augusto Vicente é Professor de História e historiador. Graduado, mestre e doutorando em História pelo PPGHIS/UFJF. Atualmente, trabalha no Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora – MG. Dedica-se a pesquisas relativas ao campo da história social da cultura/literatura, sociabilidades, trajetórias e memórias.


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