CARTA CONVITE

para Ana e Mari

A vida não está para poucas emoções.

Dizem que eu tenho facilidade em nomear o indizível, e, assim, faço aqui uma tentativa de dizer o que não está fácil dizer, e até o que não está fácil sentir; mais que nada, como um exercício para mim mesma de organizar e elaborar tantas informações, sensações e descobertas.

Esse longo período que estamos percorrendo – e que é diferente do que estamos acostumados – entristece imensamente, claro, pela carga de vidas perdidas que traz e por carregar um vírus sobre o qual não temos o menor controle. No entanto, tendo a acreditar que o que mais nos aflige é estarmos diante do fato de que temos agora novos rumos como humanidade. Parece que estamos mudando a nossa essência, e isso nos tira o chão.

Ilustração: Claudia Castro

O chão pode ser o bar, pode ser a rua, pode ser o mar. Ainda bem que, este último, somente nos tiram muito de vez em quando – quando decidem que nem lá a gente pode entrar mais. E confesso que esse limite do “não mar” me aflige muito, dentre tantos outros. Mas, enfim, tentando aqui nomear coisas, sinto e reparo atenta, dentro de casa na maior parte do tempo, que o chão é outro. O chão é o afeto e a capacidade imensa de amar e de ter compaixão que nós temos como seres humanos que somos, e que temos somente por existir e estarmos aqui nesse momento.

Esse impulso interno imenso é o nosso chão, e isso, nem a impermanência de tudo e de todos consegue carregar. Às vezes, a gente até acha que a força se foi; mas não foi, não. Ela vem sendo é testada com toda força. É a força que desafia a força.

Os cabos de guerra vêm e vão a cada dia e, para estar lá, puxando a corda, a gente precisa estar cada vez mais bem nutridos e muito bem cuidados. Eu sou muito apaixonada pelo cuidado. Estar bem cuidado, na verdade, já inclui estar bem nutrido. Para mim, cuidar é curar. Se cuidar, cuidar de tudo e de todos que estão por perto. Digo por perto porque todos nós estamos sempre perto de algo ou de alguém e, se assim fazemos, todos nós, sem exceção, estaremos sempre bem cuidados.  

Eu só escrevi aqui na revista uma única vez e foi sobre cuidar. Agora, de novo. O cuidado é sagrado. Inundar o universo com espaços para cuidar e ser cuidado é um convite que gostaria de fazer.


Juliana Moreira Alves é jornalista graduada pela Universidade Católica de Pernambuco e hoje atua na iniciativa privada, na área de investimento social com projetos de cultura.

Claudia Castro é artista plástica e ilustradora. É carioca mas vive em Lisboa há dois anos, onde tem o Ateliê Semente. Seu trabalho pode ser visto no Instagram.


Um comentário

  1. Elisabeth de Campos Porto

    Parabéns para o trabalho da Juliana e Claudia , Carta Convite!!! Lindo😍

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